CPI: depoimento de religioso causa espanto nos senadores

Declarações do reverendo Amilton Gomes causaram estranheza no vice-presidente da Comissão, Randolfe Rodrigues - Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado

Cidades
Tpografia
  • Mínimo Pequeno Médio Grande Gigante
  • Fonte Padrão Helvetica Segoe Georgia Times

Após duas semanas, a CPI da Pandemia retomou, ontem (3), os depoimentos, ouvindo o reverendo Amilton Gomes de Paula, responsável por intermediar negociações para compra de 400 milhões de doses de vacinas da AstraZeneca. A rapidez e a facilidade com que ele conseguiu acesso ao governo espantou senadores da comissão de inquérito, que apontaram para a falta de credenciais de Amilton e para a fragilidade institucional da organização não governamental por ele criada. Ouvido como testemunha, Amilton negou ter se encontrado com o presidente da República, Jair Bolsonaro, apesar de mensagens trocadas com outros intermediários da Davati mencionarem o suposto encontro.

Negando ter quaisquer contatos no Executivo e com políticos, o religioso, que é presidente da Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah) — entidade privada — disse que enviou e-mail ao Ministério da Saúde no dia 22 de fevereiro, pedindo uma reunião, e foi atendido no mesmo dia. Às 16h30, ele esteve com Lauricio Monteiro Cruz, então diretor de Imunização e Doenças Transmissíveis da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS). 

O vice-presidente da comissão, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), foi o primeiro a manifestar estranheza com a situação:

"O senhor mandou e-mail às 12h, apontou o horário que queria ser recebido e no mesmo dia isso ocorreu. Queria essa eficiência do governo também com a Pfizer. O que nos espanta é que farmacêuticas de todo o mundo não tiveram esse tipo de tratamento por parte do governo. É um fenômeno isso!", ressaltou. 

Os senadores Humberto Costa (PT-PE) e Eliziane Gama (Cidadania-MA) também não acreditaram na versão, segundo a qual obteve acesso ao sem a atuação de intermediários. Assim como o presidente da CPI, senador Omar Aziz (MDB-AM), que lembrou que se ele levasse uma comitiva de prefeitos de qualquer lugar do país ao ministério, teria dificuldade para ter um espaço na agenda, principalmente numa época de pandemia. 

"Não acredito que o senhor tenha ido lá sem ninguém dar um telefonema antes. Essa história é muito difícil de acreditar. Não é possível. Então peço que contribua. Tratarmos um assunto tão sério e, se não contribuir, será muito ruim para sua imagem, pois o senhor não começou a ser pastor no ano passado,  afirmou Omar Aziz. 

"Doação" - Amilton Gomes informou já ter sido filiado ao PSL, partido pelo qual Jair Bolsonaro se elegeu presidente, mas não deu detalhes de sua saída da legenda.  O pastor afirmou que acredita ter sido recebido tão rapidamente no Ministério da Saúde em razão da urgência da demanda e da escassez de imunizantes no mundo naquela época. 

Gomes de Paula confirmou ainda não ter obtido aval de nenhum agente público para negociar vacinas e que o fez por "razões humanitárias", justificativa que não convenceu o senador Fabiano Contarato (Rede-ES). 

"Com todo o respeito, o senhor estava mesmo é de olho na 'doação' que a Davati faria à Senah caso o negócio fosse fechado", opinou. 

Amilton Gomes admitiu que haveria uma doação, mas disse que não chegou a tratar de valores com a empresa e nem tinha ideia de quanto seria.

"Fins espúrios" - O reverendo foi apontado pelo PM Luiz Paulo Dominguetti como intermediador entre o governo e a empresa americana Davati Medical Supply, na oferta de vacinas da AstraZeneca ao Ministério da Saúde. Dominguetti relatou à CPI que tinha procurado a Senah para viabilizar o negócio e revelou que o ex-diretor de Logística do Ministério Roberto Ferreira Dias teria exigido US$ 1 de propina para cada dose comercializada. 

Apesar de ter Secretaria Nacional no nome, a Senah não tem nenhuma ligação com órgãos públicos, e a AstraZeneca já informou oficialmente que não vende à iniciativa privada e não autoriza intermediários, como a Davati, a negociar seus imunizantes.

Aos senadores da CPI, Amilton Gomes, no entanto, disse que a entidade dele foi usada "de maneira odiosa para fins espúrios".

(Agência Senado).