Úlceras vulvares agudas e covid-19

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Essas úlceras, também chamadas de Úlceras de Lipschütz, primeiro autor que as descreveu, em 1912, caracterizam-se por início súbito, que assusta a paciente e a família, já que a maioria ocorre em adolescentes, sobretudo pelo aspecto necrótico e fibrinoso (úlceras "sujas" em aspecto, foto em close preta-e-branca), por serem úlceras vasculíticas, com componente de resposta imunológica exacerbada, formando microtrombos que levam à destruição tecidual, o que faz com que sejam também bastante dolorosas. Elas aparecem no decorrer de uma infecção, por resposta inflamatória intensa, uma tempestade imunológica local a algum antígeno do agente infeccioso à distância, que em sua maioria encontra-se em orofaringe ou vias respiratórias, por isso é importante perguntar sobre estado gripal, dor na garganta, febre, artralgia, mal-estar geral etc.

A maioria dessas úlceras ocorre no decorrer de infecção na garganta pelo vírus de Epstein-Barr (EBV), causador da mononucleose, mas pode se dever também à resposta a outras outras infecções, como citomegalovirose e micoplasmose (M. pneumoniae), mais raramente paratifo e toxoplasmose, assim como recentemene descrito por nós e outros dois grupos, da Espanha e dos USA, pela COVID-19, como os colegas podem consultar no recém-publicado artigo na revista do Hospital Einstein (Jacyntho, C et al. 2022).

A fisiopatologia da Úlcera de Lipschütz ainda não é totalmente compreendida, entretanto acredita-se que uma infecção (viral, bacteriana, protozoário) deflagre um estado de hipersensibilidade e subsequente depósito intravascular de imunocomplexos, com microtrombose e necrose tecidual, que juntos levam à ulceração aguda, que inquieta a paciente.

Recente revisão sistemática (Vismara, SA et al. 2020) sobre o assunto concluiu que essa condição afeta principalmente pessoas sexualmente inativas abaixo de 20 anos e em 88% dos casos se associa a infecções à distância que a deflagram, como mononucleose e síndromes gripais flu-like, podendo agora incluir os raros casos descritos na literatura mundial em 21/22, relacionados à COVID-19, que acreditamos que estejam sendo subdiagnosticados pelo ainda desconhecimento dessa possível associação, que pode cursar com aumento de dímero-D nos exames de sangue, sem que este aumento se deva à gravidade do quadro sistêmico, mas aos microtrombos da úlcera genital, como ocorreu em nosso caso publicado recentemente e nos outros dois que acompanhamos posteriormente em 2021. Portanto o aparecimento de ferida genital deve ser logo reportado ao médico, no curso da COVID-19.

É entidade clínica rara, entretanto de grande importância seu conhecimento, para que não se biopsie sem necessidade, pois trata-se de quadro autolimitado, necessitando em sua maioria de observação, analgésicos, higiene local e esclarecimento de que não há relação direta com infecção local, mas somente uma resposta imunológica exacerbada levando à ulceração. É comum grande preocupação dos pais com possibilidade de abuso sexual, já que acomete principalmente adolescentes, com menos de 20 anos, muitas sem vida sexual ativa ainda, tanto que se definiu no passado como úlceras agudas das meninas virgens, condição esta muito frequente, porém não obrigatória para o diagnóstico. De qualquer forma, por ser diagnóstico de exclusão, é imperioso descartar as úlceras sexualmente transmissíveis e, principalmente, descartar outra úlcera vasculítica mais séria, que faz parte de um quadro sistêmico, portanto doença vascular generalizada e não apenas localizada, que chama-se Doença de Behçet, daí ser relevante o encaminhamento ao oftalmologista, já que a tríade principal nesta doença consiste de aftas orais recorrentes, úlceras genitais recidivantes e uveíte, que é o principal acometimento ocular, requerendo tratamento imediato e enérgico, pois pode, se não diagnosticada e tratada, levar à cegueira. Não é tão simples fazer o diagnóstico diferencial e sobre Doença de Behçet podemos escrever um pouco mais em outro artigo para este periódico, pois há critérios internacionais que devem ser seguidos para diagnosticar, além de exames específicos genéticos (HLA B51) e outros tantos inespecíficos, com necessidade de abordagem multidiscplinar para tratar e acompanhar com reumatologista, ginecologista, oftalmologista, vezes neurologista e/ou gastroenterologista, por tratar-se de doença vasculítica multissistêmica, diferente da Úlcera Aguda de Lipschütz, que pode recorrer, mas é menos comum e não acomete outros órgãos, por isso raramente necessitando do uso de corticosteroides, apenas quando a dor é muito intensa e irresponsiva a analgésicos e nenhum outro medicamento a mais, como se usa em Doença de Behçet, sendo a sua maioria apenas tratada com cuidados locais para impedir infecções secundárias e medicamentos para alívio da dor, com reasseguramento da paciente e/ou dos pais quanto à autolimitação da doença, que deve regredir espontaneamente em três a seis semanas, sem precisar biopsiar, aliás, não devendo biopsiar quando se conhece essa entidade clínica e percebe-se a boa evolução, assustadora pelo tamanho das úlceras (feridas) necróticas (enegrecidas ou amarelas), profundas e dolorosas, que a paciente dorme sem elas e acorda com as mesmas, dado seu caráter agudo. É comum vermos lesões em espelho ou em beijo (uma de frente para outra, como na foto), principalmente naquelas que seguem a faringite pelo EBV (vírus da mononucleose).

Deve-se acalmar a paciente e a família, assegurando que desaparecerão sem deixar cicatrizes, o que custam a crer diante do quadro que pode apavorar e tem um curso tão benigno, lembrando que acomete principalmente meninas, que ficam ansiosas e requerem bom acolhimento.

Outras úlceras mais raras devem ser afastadas, pois como foi dito, trata-se de diagnóstico de exclusão, portanto reações a medicamentos e vacinas como o eritema multiforme, raríssimo como úlcera vulvar, Doença de Cronh, etc. também devem ser pensados e excluídos pelo seu médico.

Concluindo, vale ressaltar que a Úlcera Vulvar Aguda pode associar-se à COVID-19, como descrevemos acima e em nosso artigo científico e, apesar de ser um quadro assustador, regride com cuidados locais e alguns medicamentos por vezes, precisando do parecer de um ginecologista para acompanhar, diagnosticar, tratar, tranquilizar e, principalmente, evitar biópsias desnecessárias.