Reconstrução mamária com retalhos

Por doutora Angela Fausto e doutora Patricia Breder de Barros, a convite do professor Aderbal Sabrá e da professora Selma Sabrá - Foto: Reprodução da internet

Saúde
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Historicamente, até o final do século XIX, o tratamento cirúrgico do câncer mamário era paliativo sem esperança de cura e provocava grave mutilação local com grande sofrimento para as mulheres.

Em 1894, William Halsted publica seu trabalho recomendando uma cirurgia radical conhecida como mastectomia à Halsted. Permaneceu como padrão de tratamento por mais de 80 anos, essa técnica produzia graves sequelas e legou às mulheres uma terrível visão do tratamento do câncer de mama.

Diversos tratamentos cirúrgicos reduzindo a radicalidade local foram propostos e difundidos ao longo do século passado. Temos referências de tentativas antigas de tratamento conservador da mama associado à radioterapia que datam do início do século XX e na década dos anos 60.

A transição para as cirurgias mamárias com menor mutilação ocorreu de maneira lenta. Essa mudança foi propiciada por vários avanços na medicina como o conhecimento da biologia tumoral, pelo diagnóstico mais precoce das lesões, desenvolvimento das tecnologias de investigação por imagem, desenvolvimento da quimioterapia e radioterapia que, contribuíram na terapêutica global do câncer da mama.

A cirurgia conservadora da mama ganha grande impulso quando Umberto Veronesi, em 1981 publica seu trabalho demonstrando, por seu método, a igualdade total de resultados de cura entre a cirurgia conservadora associada à radioterapia, e a mastectomia radical à Halsted. O tratamento conservador foi então ampla e gradativamente adotado na comunidade científica mundialmente.

Em relação à cirurgia plástica mamária, paralelamente, incorporamos grandes avanços. Em 1964, Croning e Gerow, publicam trabalho apresentando o implante mamário de silicone gel. Este material provou ser de grande utilidade para correções dos defeitos nas cirurgias com perdas de volume da mama, passando a ser empregados em grande escala. Posteriormente foi desenvolvido o expansor de tecido. Em 1977 Schneider utiliza o retalho miocutâneo do grande dorsal, associando-o ao implante de silicone, para reconstruir a mama. O resultado foi admirável com boa repercussão na cirurgia plástica. A reconstrução mamária ganha grande destaque a partir do final dos anos 70, pela concepção de novos retalhos miocutâneos, cutâneos e microcirúrgicos com excelentes resultados. Mais recentemente se inicia a utilização de enxertos de gordura para reposição de volume na reparação das mamas e como tratamento na recuperação de tecidos danificados na região mamaria. A plástica naturalmente se associou à Mastologia na nova perspectiva do tratamento conservador da mama, inserindo-se na complexa terapêutica multidisciplinar do câncer mamário. É crescente o interesse nas reconstruções mamárias imediatas com retalhos locais, pois reduzem o número de procedimentos cirúrgicos reabilitando mais precocemente a mulher.

Existem diferentes técnicas de tratamento oncológico da mama, sua indicação e amplitude local é recomendada pelo mastologista dentro de um planejamento interdisciplinar.

A cirurgia plástica tem diferentes alternativas para reconstrução dos defeitos mamários decorrentes do tratamento oncológico. O planejamento vai depender basicamente da qualidade e extensão dos tecidos preservados, localização do defeito na mama, da disponibilidade de alternativas cirúrgicas da cada paciente e, sempre as opções reconstrutoras são informadas a paciente e autorizadas de forma consensual.

Iniciamos nosso planejamento cirúrgico colhendo dados que nos orientem a direcionar a opção de reconstrução mais adequada que, contemple a terapêutica oncológica e mantenha o estilo de vida da paciente. O plano completo de tratamento oncológico usualmente não está totalmente definido na ocasião da cirurgia reconstrutora imediata.

O preparo pré-operatório é complexo, são procedimentos extensos sob anestesia geral e a paciente. É aconselhável que se exponha visualmente para a paciente por meio de fotos o tratamento proposto, assim será esclarecida a respeito de todo o processo cirúrgico como cicatrizes e os possíveis resultados, de forma muito claras. A paciente assim poderá refletir e compreender, mais conscientemente, sobre o tratamento proposto e os tempos cirúrgicos. São oferecidas, quando possível, mais de uma conduta reconstrutora.

Dividimos o planejamento de reconstrução da mama com retalhos locais em três portes cirúrgicos de acordo com a complexidade da reconstrução, pequeno, médio e grande porte. Estes são baseados nos parâmetros de avaliação do defeito e complexidade da reconstrução.

O defeito de pequeno porte é definido como aquele no qual podemos reconstruir a mama apenas com retalhos locais restritos ao cone mamário. O defeito de médio porte é aquele no qual a perda de tecido da mama é maior mas há a necessidade de transferir tecido de áreas vizinhas a mama para repor volume e, por vezes utilizar implantes de silicone ou expansores de tecido.

Os defeitos de grande porte são aqueles nos quais ainda se preserva grande parte da pele da mama, entretanto, com grande perda de volume. Há indicação de complementar a reconstrução com transposição de retalhos a distância pediculados do abdome, da região dorsal ou microcirúrgicos. Podemos associar também implantes e expansores de tecido. Preservar uma parte da mama não é suficiente por si só, o bom resultado estético pós-operatório é muito almejado. A escolha do tipo de reconstrução mamária decorre de um consenso. Na reconstrução com retalhos locais, a mama deve ser considerada como uma unidade estética e estar pautada nos padrões cirúrgicos da plástica mamária. É uma cirurgia que exige muita experiência e versatilidade do cirurgião plástico além de um ajuste fino entre os dois especialistas. A qualidade final da reconstrução é o reflexo de seu planejamento.

A radioterapia tem impacto positivo no controle local da doença e na sobrevida dos pacientes, no entanto é um ponto crucial a ser considerado na reconstrução com retalhos locais, pois acrescenta morbidade e pode ter impacto no resultado. Não está contraindicada a reconstrução imediata. Em geral tem boa evolução, no entanto, a paciente deve ser avisada sobre os possíveis riscos. Na literatura há muitas referências de trabalhos sobre satisfação a respeito da reconstrução mamaria imediata, comparando dois grupos divididos, em pacientes com e sem radioterapia. Em ambos a satisfação é alta. Esses fatos sempre nos estimularam a ampliar a indicação da reconstrução imediata, pois, coincide com nossa experiência.

A reconstrução imediata da mama com retalhos locais tem muito a contribuir beneficiando a qualidade de vida das mulheres.