Acidentes com picadas de cobra

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Por professora Selma Sabrá e professor Aderbal Sabrá e o formando Victor Porto, especial para O FLUMINENSE

O envenenamento oriundo da picada de uma serpente é um problema de saúde pública. O Brasil se apresenta como referência mundial no tratamento deste tipo de acidente. O envenenamento oriundo da inoculação de toxinas, provocado através das presas de serpentes, podem determinar alterações locais (no local da picada) e sistêmicas.

No Brasil, os acidentes por serpentes, chamados de acidentes ofídicos, estão em 1º lugar dentre os acidentes causados por animais peçonhentos. Nos últimos 5 anos, foram relatados em média 2.049 acidentes ofídicos por ano, somente no estado do Rio de Janeiro, ocorrendo não só em áreas rurais, mas também na periferia de grandes cidades.

Embora habitualmente usemos os termos "cobras" e "serpentes" como sinônimos, o primeiro refere-se especificamente a serpentes da família Elapidae, a qual tem como representantes, aqui no Brasil, as serpentes do gênero Micrurus (corais verdadeiras). Esse e os gêneros Bothrops (jararacas e jararacuçus), Crotalus (cascavéis) e Lachesis (surucucus), os três da família das víboras (ou Viperidae), constituem os quatro grandes gêneros de serpentes peçonhentas do Brasil, de modo que cada um possui suas particularidades, desde regiões de habitação até o quadro clínico causado pela picada.

Acidente botrópico: Os acidentes causados por jararacas e jararacuçus são os de maior importância no país, ocasionando cerca de 80 a 90% dos acidentes ofídicos. Esses répteis distribuem-se por todo o território nacional, encontrados principamente em regiões de mata e de agricultura. São em geral agressivas e caracterizadas, assim como outras víboras, por apresentar cabeça triangular, pupilas em fenda, hábitos noturnos, dentição solenóglifa (par de presas retráteis) e fossetas loreais (depressões localizadas entre as narinas e os olhos com a função de perceber a temperatura ambiente), sendo diferenciadas pela cauda lisa. A peçonha botrópica promove grande inflamação no local da picada, havendo edema (inchaço) acentuado com calor e rubor (vermelhidão) podendo evoluir para bolhas e necrose local. Além disso, ela ainda possui um efeito anticoagulante, precipitando hemorragias em diversos sistemas do corpo.

Acidente crotálico: As cascavéis compõem de 10 a 20% dos acidentes ofídicos. São encontradas predominantemente em áreas secas, abertas e pedregosas, raramente no litoral. São pouco agressivas, atacando somente quando se sentem ameaçadas, condição em que chacoalham como sinal de alerta o característico guizo encontrado na ponta de suas caudas, o qual as distingue das outras víboras. Os sintomas locais do acidente por cascavel são discretos ou ausentes, de maneira que suas toxinas causam paralisias musculares [evidenciadas principalmente por ptose (queda) palpebral, alterações visuais como diplopia (visão dupla) e insuficiência respiratória] e lesão direta ao tecido muscular [causando mialgia (dor muscular) generalizada e escurecimento da urina, podendo evoluir para insuficiência renal aguda].

Acidente laquético: Constituindo cerca de 3% dos acidentes ofídicos, o gênero Lachesis (surucucus) abriga a maior serpente peçonhenta do continente, alcançando até 3,5 metros de comprimento. Habitam áreas de mata, sendo encontradas nas regiões de Mata Atlântica e Floresta Amazônica. São mais dóceis e diferem das outras víboras pela cauda com escamas eriçadas. Os sintomas são semelhantes aos dos acidentes por jararacas e jararacuçus, somando-se a eles bradicardia (diminuição da frequência cardíaca), hipotensão arterial e diarreia.

Acidente elapídico: As corais verdadeiras são responsáveis por menos de 1% dos acidentes ofídicos nacionais. São encontradas em locais quentes e úmidos de todo o país, normalmente em buracos ou sombras de árvores. Também são dóceis, tendo cabeça arredondada, pupilas circulares, dentição proteróglifa (par de presas na frente da boca e não retráteis), ausência de fossetas loreais e o seu clássico padrão de cores com anéis pretos, vermelhos e brancos, ainda que na região Amazônica sejam encontradas corais verdadeiras de padrões muito mais variados. São diferenciadas das corais falsas pela sua dentição e não pelas listras. A peçonha das corais verdadeiras têm as mesmas ações neurotóxicas que promovem paralisia muscular dos acidentes por cascavéis, contudo o quadro costuma evoluir para insuficiência respiratória mais rapidamente.

O que fazer em caso de picada de serpente

A conduta nesses casos é sempre lavar muito bem o local da picada com água e sabão, sem aplicar nenhum produto ou substância, e procurar o serviço de emergência o mais rápido possível, mantendo atenção especial à hidratação e, se possível, permanecer deitado ou com o membro afetado na altura do coração para que as toxinas não se acumulem no membro e tentar evitar que ocorra a necrose local mais rapidamente. Por esse mesmo motivo, não se deve fazer torniquete, o qual, além de concentrar a peçonha no membro, pode gerar isquemia (falta de suprimento sanguíneo). Do mesmo modo devem ser retirados relógios, anéis, pulseiras e similares, uma vez que pode haver edema (inchaço)muito intenso decorrente de um efeito de garrote pelo uso desses adereços. Também é contraindicado que se façam cortes ao redor da lesão, pois podem acelerar a necrose, nem que se tente sugar a peçonha da ferida. Estas ações só aumentam os riscos de infecção.

Quanto a levar o animal responsável para o serviço de saúde, é importante que se tenha em mente que, embora isso ajude na identificação da serpente e, portanto, na administração do soro correto, não se deve tentar capturar o animal, pois há o risco de um segundo acidente e perde-se tempo para chegada à emergência. A serpente pode ser levada caso já esteja morta por qualquer motivo, mas ela não é imprescindível para que a equipe administre o soro certo, visto que os profissionais podem identificar a serpente pelo quadro clínico.

Em caso destes tipos de acidentes sempre buscar o auxílio médico. Em primeiro lugar, a identificação do animal deve ser feita somente por indivíduos qualificados, visto que há riscos muito grandes em não tratar uma serpente peçonhenta como tal. Segundo, embora várias serpentes não sejam consideradas peçonhentas, elas podem possuir presas com peçonha na parte de trás da boca (dentição opistóglifa). Envenenamentos por essas serpentes são raros porque a posição das presas dificulta a inoculação das toxinas, mas pode haver sinais e sintomas, principalmente locais, que devem ser monitorados. Terceiro, há um risco de desenvolver tétano em acidentes ofídicos, então a profilaxia deve ser feita, avaliando o esquema vacinal. Quarto, apesar de não ser comum, há possibilidade de infecção por picadas de serpentes.

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