Cumplicidade no silêncio

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Dom José Francisco*

Um bloco de granito só é dividido se forem observadas as trilhas internas dos veios. Do contrário, ele se parte e se perde. Esse é um exemplo do que pode acontecer em blocos compactos, sobretudo, se sobre eles são movidas forças externas extremas.

Da mesma forma, o ser humano. Quando nós o qualificamos como indivíduo, o que estamos dizendo é que ele é indivisível. Para se manter como humano, precisa manter essa indivisibilidade: só ela lhe dá a certeza da sua individualidade. Os seres vivos dependem do respeito a esta estrutura interna.

Se para com plantas e animais já existe todo um cuidado social, para que sua estrutura de seres vivos não seja esgarçada, o que dizer dos humanos? O que dizer de um povo?

Quando um povo é arrancado de seu habitat, não seria igualmente preciso um cuidado extra para que esse desenraizamento se fizesse o mais natural possível? Se plantas e pets advogam cuidados ainda mais especiais do que granito, que se dirá dos humanos?

Daí a dificuldade de entender o que está acontecendo "pras bandas" daquele lado do mundo.

Quando vejo o rosto das crianças ucranianas submetidas ao inverno do leste europeu, o mesmo que derrubou as armas das mãos congeladas dos soldados de Napoleão (em luta, justamente, contra a Rússia) não há como não correr o risco de desacreditar nas nossas mais aquecidas noções de humanidade.

Não se trata de opiniões. Trata-se de valores éticos.

Trata-se de responder a uma pergunta irritante: depois de tudo, foi pra isso, mesmo, que caminhamos?

Toda vez que um povo invade e submete outro povo, ele conta com a tácita, porém, efetiva, colaboração do silêncio. O silêncio é o instrumento efetivo desse esgarçamento social, um silêncio mortífero, e de onde a vida não pulsa mais.

Não podemos ser cúmplices desse silêncio. Não é?