Cuidados paliativos são cada vez mais exigidos

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A população brasileira está envelhecendo, e com isso também sobe a incidência de doenças crônico-degenerativas não transmissíveis, como diabetes, hipertensão, câncer e doenças respiratórias. Essa mudança de perfil demográfico e epidemiológico demanda alteração do perfil de assistência em saúde. Nesse contexto, entra em foco a ampliação da demanda por Cuidados Paliativos (CP).

Os CP são definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma abordagem que visa melhorar a qualidade de vida dos pacientes e suas famílias que enfrentam alguma doença com risco de vida, através da prevenção e alívio do sofrimento, por meio da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento da dor e de outros problemas físicos, psicossociais e espirituais. O conceito foi revisto e ampliado pela própria OMS em 2002 e 2004. A versão mais recente é a de 2014, pela Aliança Mundial de Cuidados Paliativos (Worldwide Palliative Care Alliance - WPCA).

A necessidade dos CP não ocorre somente no momento da finitude, mas em todas as etapas de evolução das doenças crônico-degenerativas. A doença, desde o seu início, provoca alterações em diferentes aspectos na vida do indivíduo doente. O equilíbrio entre as terapêuticas específicas ao processo patológico e as que priorizam a qualidade de vida de acordo com as necessidades e desejos do paciente é a meta a ser perseguida pelos CP. É um cuidado que busca atender as necessidades específicas e preferências individuais, introduzindo o elemento da escolha. Pacientes e seus familiares têm o direito de decidir a forma e os limites de seu tratamento. O binômio médico-paciente tradicional evolui para uma tríade envolvendo paciente, família e time de saúde com vários profissionais (médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas, etc), acordando o que seria o melhor para aliviar o sofrimento e respeitar a dignidade da pessoa.

O primeiro marco da implementação dessa linha de cuidado no Brasil foi a criação da Associação Brasileira de Cuidados Paliativos (ABCP) no final do século 20, iniciativa abraçada pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA). A Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) surgiu dois anos após os CP serem integrados aos serviços de oncologia do Sistema Único de Saúde (SUS). Após aproximadamente cinco anos da criação da mesma, o Conselho Federal de Medicina (CFM) incluiu os CP como princípio fundamental no Código de Ética Médica e reconheceu os CP como área de atuação médica. As áreas de atuação foram ampliadas em 2015. Em 2017, a ANCP enviou ao CFM uma carta que trata do reconhecimento da Medicina Paliativa como Especialidade Médica. No entanto, a última resolução manteve as especialidades e áreas de atuação já reconhecidas. Não havia respaldo em nenhuma política nacional de saúde para a prática dos CP, até outubro de 2018, quando a publicação da primeira diretriz garantiu o mesmo.

Percebe-se que o crescimento dos CP ocorreu de forma lenta até os últimos 10 anos, para somente agora conquistar seu espaço de discussão no meio acadêmico e da prática clínica. Uma consequência é a ausência de disciplina específica na formação de profissionais de saúde, e a escassez de serviços e programas especializados em CP, proporcionalmente à necessidade da população.

Há um forte estímulo internacional às instituições acadêmicas, principalmente desde a divulgação da Carta de Praga em 2013, a abordarem os CP na formação dos profissionais de saúde. O documento ratifica o acesso aos CP como direito dos pacientes, responsabilidade dos governantes e parte essencial da formação acadêmica dos profissionais de saúde.

O modelo técnico-científico centralizado na cura, que pauta o ensino da medicina contemporânea, faz com que a inserção dos CP ocorra de forma fragmentada, sem padronização. A última atualização das Diretrizes Nacionais Curriculares (DCN) para os cursos de graduação em medicina, em 2014, mostra avanços para melhor formação humanizada. Foi considerada a necessidade de incorporar conteúdos para adquirir competências e habilidades humanistas, críticas e reflexivas, pautadas em princípios éticos e no acompanhamento do processo de morte como parte integrante da formação médica.

A falta de preparo para enfrentar situações que envolvem comunicação adequada e suporte aos pacientes em fase final de vida, leva a um grande prejuízo na relação profissional de saúde-paciente. O profissional se sente impotente e falho por não cumprir o objetivo da medicina curativa, e o paciente se sente desamparado por não ter o apoio necessário em uma situação de tão grande fragilidade. Além da possibilidade do profissional que não apresenta nenhum grau de formação em CP, apresentar maior dificuldade em gerenciar a relação médico paciente, prejudicando a qualidade do cuidado.

Ter noção, ainda que básica, de bioética é imperativo para a prática da medicina crítica, reflexiva e pautada na dignidade humana. Há uma corrente de estudos denominada Bioética Principialista, que preconiza quatro princípios gerais: a autonomia do paciente, a não-maleficência, a beneficência e a justiça, pautada na obrigação que toda e qualquer ação deva seguir as normas de cooperação da sociedade.

Os princípios da bioética principialista serviram como base para os princípios que regem a atuação da equipe multiprofissional de CP revisados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2002, sendo os mesmos:

1. Promover o alívio da dor e outros sintomas desagradáveis.

2. Afirmar a vida e considerar a morte como um processo normal da vida.

3. Não acelerar nem adiar a morte.

4. Integrar os aspectos psicológicos e espirituais no cuidado ao paciente.

5. Oferecer um sistema de suporte que possibilite o paciente viver tão ativamente quanto possível, até o momento da sua morte.

6. Oferecer sistema de suporte para auxiliar os familiares durante a doença do paciente e a enfrentar o luto.

7. Abordagem multiprofissional para focar as necessidades dos pacientes e seus familiares, incluindo acompanhamento no luto.

8. Melhorar a qualidade de vida e influenciar positivamente o curso da doença.

9. Deve ser iniciado o mais precocemente possível, juntamente com outras medidas de prolongamento da vida e incluir todas as investigações necessárias para melhor compreender e controlar situações clínicas
estressantes.