A chegada de Vargas ao poder trouxe com ele diversos dos participantes do movimento modernista para o interior do aparelho de estado federal, no recém criado Ministério da Educação e Saúde Pública, onde seria instalado um departamento de cultura, também se discutiria mecanismos de democratização de acesso. Mas, não apenas no âmbito federal essa discussão ocorre. O modernista Mário de Andrade e seu amigo Paulo Duarte vão estruturar a criação do Departamento Municipal de Cultura da Prefeitura de São Paulo. Ao aceitar o desafio de assumir o Departamento de Cultura e elaborar o projeto de lei de criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), Mário de Andrade se preocupava em como auxiliar no que ele chamava de "elevação cultural do povo". Sem se preocupar com o grau de elitismo que havia na educação e no acesso à cultura pela elite, Andrade achava que esse era um papel do governo. Assim, tanto no âmbito federal, como na principal novidade no setor cultural da década de 1930 (a constituição do Departamento Municipal de Cultura e, posteriormente, a Secretaria Municipal de Cultura) há uma preocupação em "educar o povo" para um determinado olhar cultural.
Na legislação vigente desde 1993, a contrapartida pode ser executada na forma de doação de ingressos, oficinas, ações de formação entre outras. A atual Lei de Incentivo à Cultura do governo federal, também exige a democratização de acesso aos projetos que são financiados por seus mecanismos. As propostas são indispensáveis para a aprovação de qualquer projeto, como estabelece a Instrução Normativa nº2 de 2019, em especial os artigos 20 e 21, que determinam expressamente a democratização de acesso aos produtos culturais, impondo, por exemplo, a distribuição de ingressos gratuitos e de produtos resultantes do projeto para escolas públicas, bibliotecas, museus e equipamentos culturais. A contrapartida deve, sobretudo, alcançar àqueles que não têm ou não teriam condições de ter acesso ao produto cultural, financiado com dinheiro público através de renúncia fiscal. Vale dizer que o proponente não pode simplesmente declarar no projeto que distribuirá ingressos ou que realizará uma oficina, ele deve divulgar as contrapartidas dando visibilidade a esta etapa do projeto.
Atualmente quase todas as leis de incentivo à cultura, exigem que os proponentes de projetos culturais ofereçam contrapartidas sociais como condição para aprovação, contudo, para muitos produtores essa etapa do projeto ainda é vista infelizmente como um problema. Assistir a um espetáculo com preço reduzido ou mesmo de graça, em tese é uma contrapartida, mas para efeito real das leis de incentivo é insuficiente. Deve haver também uma prática que fomente a formação de público gerando assim a real democratização de acesso à cultura. Por isso, que a contrapartida em si deveria estar ligada à questão da mediação cultural, para um resultado coeso. Se devidamente aliada às estratégias de mediação cultural, a tendência é que as contrapartidas sociais deixem de ser vistas como um problema para os proponentes e passem a ser vistas como solução.
As contrapartidas sociais são um investimento a longo prazo, o objetivo é a democratização do acesso de pessoas que nunca ou quase nunca desfrutaram de bens/produtos culturais, por diversas razões: deslocamento, falta de dinheiro para arcar com o valor dos ingressos, hábito, compreensão do que está sendo apresentado, dentre outros. Fomentar esse acesso hoje é garantir público para o futuro, que talvez não esteja tão distante se as medidas corretas forem tomadas. Formação de público significa ampliação do acesso, é uma questão de economia (diminuir ou zerar o preço dos ingressos), de logística (arrumar condução, fazer os espetáculos em praça pública) e educação.
A presença dos mais variados públicos é vital para a sustentabilidade do mundo da arte. A criação de programas educativos em instituições culturais, contribui para a aproximação de um público que antes não frequentava esses espaços. As instituições culturais sofrem com a baixa de audiência e fomentar ações de educação e aproximação de público é pensar na subsistência financeira e na existência conceitual das instituições culturais. A formação de público em instituições culturais, como política de acesso está no dia-a-dia e a educação é o alvo do sistema.
*Por Giselli Ribeiro - Produtora Cultural, Especialista em Linguagens Artísticas, Cultura e Educação pelo IFRJ e formada em Artes Visuais pela UERJ