Houve medidas durante o percurso da guerra para tentar evitar a necessidade de uma mobilização mais ampla, dentre elas, um decreto, publicado em agosto, que pretendia que as Forças Armadas da Federação Russa (FAFR) acrescentassem mais de cem mil soldados ao seu efetivo. O decreto, porém, não tinha qualquer sinal de como isto deveria ser feito.
Juntamente, houve uma leva de recrutamento em presídios, onde os prisioneiros seriam libertados com antecedência se fossem lutar com os grupos de mercenários russos. Este pessoal teria um mês de treino, período considerado insuficiente pela maioria dos especialistas. Outro ponto de recrutamento foram as comunidades de minorias étnicas no leste da Rússia, onde encontrar trabalho é muito mais difícil do que em Moscow. Estes novos contratos são de curto prazo, geralmente de seis meses.
Também foi feito o envio de unidades de treinamento para o front, o que dificultou a capacitação de novos recrutas. Os separatistas russos nas ditas "repúblicas populares" em Donetsk e Luhansk, que deram ordens de mobilização logo no início do conflito, já exauriram suas capacidades, especialmente tendo em conta o treinamento inadequado destas tropas, assim como a falta de equipamentos.
O que nos leva ao decreto de 21/09 . Este decreto foi feito devido às derrotas sofridas pelas FAFR em zonas próximas às suas fronteiras. Em um discurso Vladimir Putin declara a mobilização parcial, e o Ministro da Defesa, Sergei Shoigu, afirma que serão mobilizados 300.000 reservistas - ex-soldados com experiência militar. Porém, a palavra parcial não está presente no decreto e as restrições de quem pode ser recrutado só se aplicam a pessoas com dispensas médicas, que tenham passado da idade de serviço militar ou tenham sido presas (contrariando a política dos mercenários de recrutar em presídios). Para suprir a demanda de soldados, que permanece secreta, apesar de terem dito 300.000, experiência militar prévia não é relevante pelos termos do decreto. As promessas de treinamento, os equipamentos e os mantimentos, estão muito distantes do esperado, resultando em uma cena caótica e uma continua destruição da moral das FAFR.
Especula-se que até mesmo os critérios deste decreto não estariam sendo seguidos. Um exemplo é o recrutamento de pessoas fora da faixa etária indicada, assim como a vedação de liberação para os soldados atuais pelo menos até o fim da mobilização, ou seja, aqueles contratos de curto prazo, foram transformados em um documento de duração indefinida. O efeitos imediato do decreto e suas transgressões é, dada a escalada da tensão do conflito, um senso de urgência por parte da população russa em sair do país. Dado comprovado pelo aumento na procura de voos para fora da Rússia logo após o decreto.
Os efeitos de segunda ou terceira ordem são mais difíceis de averiguar. Logo no início do conflito, havia a expectativa, construída através das falas de Putin, que a intervenção na Ucrânia seria algo distante da população, envolvendo apenas voluntários. Bem como os protestos e oposições à guerra não se alastrariam. Sabendo que a sociedade russa é relativamente apolítica e apática à política externa do regime, esta relevante característica pode mudar com a mobilização. Outro fator importante são os referendos para anexar as regiões ocupadas no sul da Ucrânia, que aconteceram na semana passada. Estes referendos já tinham os resultados definidos antes de serem feitos. Isto porque o objetivo desta anexação é simplesmente possibilitar o envio de prizyvniki, os soldados em serviço militar compulsório que, por Lei, não podem lutar fora do país e que representam a maior parte do contingente bélico.
Todas as medidas acima mencionadas, podem anular as vantagens estratégicas da Ucrânia, porém, é duvidoso que isto crie uma força de combate motivada. Este cenário tende a ter como consequências, prejuízos econômicos e políticos. É da natureza da guerra, a perda de mão de obra de setores civis para o Exército e a fuga de pessoas do país, sendo que no caso da Rússia, ainda podemos adicionar um fator ainda mais preocupante, a médio prazo, para o atual governo: a politização da população.
*João Timóteo é historiador
Os problemas da mão de obra russa e seus efeitos na guerra
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