Entrevista com o presidente do Sistema Fecomércio RJ

Ralph Lichotti convida Antonio Florencio de Queiroz Junior - Foto: Divulgação

Rio de Janeiro
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O FLU - Recentemente uma decisão judicial quase gerou uma revolta popular em Búzios, com comerciantes e funcionários do setor tomando as ruas para protestar com o lockdown, sob a alegação que não tinham como sobreviver sem trabalho. O senhor considera que desde o início da pandemia o isolamento social foi bem conduzido? Ou faltou diálogo com a categoria?... uma das mais prejudicadas com as medidas governamentais. Para o senhor, houve intolerância?

Resp. As medidas tomadas a partir dos primeiros casos de Covid-19, em meados de março de 2020, foram necessárias. Representava uma situação muito nova para toda a sociedade, havia uma tensão e a expectativa era de um grande número de infectados e de pessoas que precisariam de internação. Posteriormente, acreditamos que poderíamos ter retomado as atividades antes, mesmo com certas restrições e seguindo protocolos de segurança estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Foram quase 100 dias de comércio fechado na cidade do Rio, por exemplo. Buscamos, incansavelmente, diálogo com o Governo Estadual e Federal, além das Prefeituras e secretarias. Lideramos diversas tratativas, realizamos dezenas de reuniões, sempre com o objetivo de mitigar os impactos da pandemia no comércio de bens, serviços e turismo. Nos primeiros meses da pandemia, a equipe jurídica da Fecomércio RJ apresentou mais de 36 pleitos no Estado do Rio e junto ao Governo Federal. Desses, 19 foram atendidos pelas autoridades, garantindo aos empresários uma série de medidas de apoio ao setor, que foi radicalmente atingido pelo fechamento do comércio e por todo o impacto da pandemia do coronavírus na sociedade. Agora estamos vendo a união de todos os segmentos
em prol dos protocolos de segurança, seguidos rigorosamente pelo setor. As Regras de Ouro já foram incorporadas ao DNA dos empresários, isso é muito positivo para segurança dos trabalhadores e da população. É com muito orgulho que posso dizer, estamos dando exemplo.

O FLU - O senhor disse no ano passado que a atração de turistas nacionais pode ser “a mola propulsora” para a retomada econômica no Estado e que acredita que 2021 será um ano promissor com a chegada das vacinas contra a pandemia do coronavírus. Como o senhor vê o atraso da campanha de vacinação, em relação a outros países que já estão vacinando. O senhor continua otimista? A alternativa seria estimular o comércio local? Há um plano B sob a manga?

Resp. Somos otimistas, por natureza. O Turismo pode ser nossa mola propulsora. Poucos estados possuem  uma infraestrutura de aeroportos, hotéis, serviços, além de atrativos naturais, como o Rio de Janeiro. Temos que trabalhar melhor esses atributos, criar incentivos, realizar campanhas de promoção do destino e tudo o mais que possa atrair turistas nacionais, nosso primeiro e talvez mais importante público nesse momento, e posteriormente, os mercados internacionais. Sempre seguindo os protocolos de segurança recomendados pela OMS. Sobre a vacinação, acreditamos que terá início muito em breve. Temos que lembrar que o Brasil é um país continental, com grandes desafios logísticos. Por outro lado, temos a infraestrutura do Sistema Único de Saúde (SUS), que poucos países possuem, e que certamente irá dar mais agilidade na imunização da população. Em toda e qualquer discussão sobre esta pandemia, a prioridade absoluta é, claro, a saúde pública. Mas é possível, também, ver com bons olhos que 2021 pode ter na vacina um caminho para fazer a economia andar. Campanhas de incentivo ao comércio local, inclusive com a criação de um selo nas mídias sociais, e às vendas online fazem parte de nossas prioridades desde abril do ano passado. 

O FLU - Como integrante do grupo de trabalho (GT) criado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) para analisar as propostas de reforma tributária em discussão no Congresso, como o senhor avalia essa reforma? A proposta em debate realmente vai simplificar, desburocratizar e reduzir a carga tributária? O senhor vê chances de aprovação no Congresso? Na sua opinião, qual é o principal ponto a ser discutido nessa reforma?

Resp. A grande carga tributária do Brasil é uma enorme barreira para o desenvolvimento da economia, portanto temos a grande oportunidade de rediscutir estas bases e soltar estas amarras. O grupo é liderado pelo presidente da CNC, José Roberto Tadros, e composto por diretores da entidade e técnicos com amplo conhecimento do assunto. Conforme destacado pelo presidente da CNC, em nossa reunião, “a reforma tributária é uma pauta de grande importância para o empresariado brasileiro e para o Brasil”. Falando de forma concreta sobre reforma tributária, temos hoje uma proposta da Câmara dos Deputados e outra do Senado, sendo que ambas tratam da substituição dos atuais tributos sobre consumo por um Imposto sobre Bens e Serviços - IBS. As principais propostas seriam o cálculo da CBS “por fora” e ainda a exclusão dos valores da própria CBS e do ICMS de sua base de cálculo. O regime unificado de tributação das Micro e Pequenas empresas (Simples Nacional) não seria alterado. Assim, as empresas do “Simples” continuariam a apurar os seus tributos na mesma sistemática, sem alterações. Certamente, precisamos repensar o sistema tributário do Brasil. Temos muitas normas esparsas, uma complexidade e aparente conflito entre elas até hoje não superado, mesmo após anos de debates no Judiciário. No entanto, as propostas precisam ser muito bem maturadas antes de aprovadas, sob pena de prejudicarmos ainda mais a atividade econômica, fomentando a concorrência desleal pela sonegação de tributos e dificultando ainda mais a vida dos empresários. O Sistema Comércio quer contribuir para que o Brasil finalmente tenha um sistema tributário mais racional e menos injusto e oneroso. Vale ressaltar o contexto do grande desafio atual que se coloca para o país, de vencer a Covid-19 e se preparar para a retomada econômica.

O FLU - Seu antecessor, Orlando Diniz, que ficou 14 anos à frente da entidade, foi preso na Lava-Jato sob suspeita de desviar recursos públicos e usar o esquema criminoso do ex-governador Sérgio Cabral para lavar o dinheiro. Ainda há suspeitas de envolvimento de escritórios de advocacia na lavagem e também compra de sentenças. Qual o impacto desse incidente na Fecomércio e como resgatar a imagem da entidade?

Resp. A atual administração da Fecomércio RJ, eleita em abril de 2018, está totalmente comprometida com o esclarecimento dos fatos e vem colaborando com as autoridades para que a investigação possa ser realizada da melhor forma. Nesses quase três anos, nossas ações priorizam, mais que nunca, os interesses dos setores que representamos, além de trabalharmos ainda mais em apoio aos governos municipais e gestão estadual, unindo esforços em prol da população do estado do Rio e do desenvolvimento econômico fluminense.

"Ralph, permita-me uma observação sobre sua pergunta, que acredito que parta de uma premissa inadequada, de resgaste de imagem. A importância da Fecomércio para o Rio de Janeiro é muito maior do que esta ou aquela gestão. A Fecomércio é formada por 59 sindicatos patronais fluminenses e representa os interesses de todo o comércio de bens, serviços e turismo do Estado. Esse setor por sua vez representa 2/3 da atividade econômica do Estado. A imagem e a história da Fecomércio, portanto, são muito, muito maiores do que qualquer gestor, seja ele bom ou ruim."

O FLU - Antes da pandemia a violência urbana gerava um grande prejuízo ao setor, inclusive afastando os turistas. Com a retomada das atividades o senhor teme uma nova escalada da violência com assaltos a estabelecimentos comerciais, roubos de carga, e extorsões praticadas por traficantes e milicianos? Pouco antes do vírus surgir, em 2019 um estudo do Instituto Fecomércio de Pesquisas e Análises (IFec RJ) apontava que 18,4% da população do Estado acreditava que aprovar leis mais duras e penas mais longas contra os criminosos seria a principal solução para melhorar a segurança pública. Na sua opinião, o que precisa ser feito?

Resp. Precisamos enfrentar alguns desafios urgentes. O primeiro e mais danoso é o comércio ilegal. Recentemente, o Sistema Fecomércio RJ, a Secretaria de Estado da Polícia Militar e o setor de bares e restaurantes uniu forças em uma campanha educativa para a conscientização da população sobre as consequências e riscos de estimular e financiar o mercado ilegal. Os impactos negativos não se restringem ao comércio, grande gerador de empregos e arrecadador de impostos, mas à vida de todos os cidadãos. Mercadorias vendidas clandestinamente nas ruas têm origem em ações criminosas, muitas com uso de violência, como roubos de carga e roubos de ruas. Na sequência, podemos listar a informalidade, o roubo de cargas e a segurança pública. Prejuízos com a pandemia são claros e intensificaram problemas já existentes. Empresários do Centro do Rio, por exemplo, acreditam que, além da vacina, segurança e ordem pública são necessárias para que a economia região volte a ter força, segundo dados de uma recente pesquisa do Instituto Fecomércio de Pesquisas e Análises (IFec RJ). 

O FLU - A pandemia do coronavírus mudou as relações de consumo causando grande impacto no comércio. O que muda daqui para a frente? O senhor acredita que haverá um retorno gradual à normalidade que conhecemos ou o comércio terá que se adaptar a uma nova realidade imposta à sociedade? E o que muda no papel da entidade?

Resp. Assim como falamos anteriormente, o novo normal levou milhares de pessoas para a frente dos computadores e smartphones na busca por compras online. Essa experiência de compras estará cada vez mais presente no dia a dia da população. Os empresários e comerciantes estão atentos a essa transformação e se adaptando. Para auxiliar nessa transformação digital, a Fecomércio RJ firmou uma parceria com a Convem, empresa dedicada à criação de lojas online. Ao acessar o site http://www.fecomercio-rj.org.br/lojaonline e seguir o passo a passo indicado, rapidamente é possível ingressar no ambiente virtual e ofertar seus produtos e serviços à centenas de pessoas, em sua rua, seu bairro e sua cidade. Sobre o retorno gradual à normalidade, esperamos que, ao longo de 2021, conforme a vacinação for ganhando velocidade e volume, certamente mais pessoas, cidades e estados voltarão a buscar uma certa normalidade. Ainda não é possível estimar um prazo, mas estamos caminhando nesse sentido. 

(colaborou Jefferson Lemos)

*Antonio Florencio de Queiroz Junior é presidente do Sistema Fecomércio RJ