Por Denise Emanuele Paz Carvalho
A Rocinha, maior comunidade da zona Sul do Rio, consolidou-se como verdadeiro bunker do Comando Vermelho. Estudos de inteligência apontam que o tráfico instalou ali aproximadamente 1.500 fuzis, um volume sete vezes superior ao que um batalhão operacional da Polícia Militar dispõe oficialmente, configurando um cenário de poder bélico agressivo.
Os dados oficiais do Instituto de Segurança Pública (ISP RJ) apontam que em 2024 as polícias Civil e Militar apreenderam 732 fuzis — recorde histórico desde 2007 e média de dois por dia —, e retiraram das ruas 6.150 armas de fogo, equivalentes a 17 armas apreendidas por dia. A PM, até dezembro, havia confiscado 603 fuzis, com quase 520 unidades já retiradas até outubro, superando recordes anteriores.
Essas armas de guerra, predominantemente importadas — mais de 90% segundo a Subsecretaria de Inteligência da PM — são desmontadas nos países de origem, transportadas às peças, remontadas aqui e redistribuídas em áreas de controle do crime organizado. Em 2025, o ritmo se intensificou: nos primeiros 45 dias, 116 fuzis haviam sido apreendidos — média de três por dia.
Essa logística bélica fortalece a ocupação do tráfico em favelas e suas imediações, entre a zona Sul e a Baixada Fluminense, subordinando cidadãos “de bem” ao terror urbano. O ISP registrou queda de 11% na letalidade violenta em 2024 — com o menor índice desde 1991 —, mas estatísticas não revelam a sensação de medo instaurada pelo domínio armado.
A Polícia Militar identificou concentrações significativas de apreensão no 41º BPM (Irajá), com 99 fuzis, seguido por atuação expressiva do BOPE e batalhões de Bangu, Duque de Caxias e Jacarepaguá. Isso evidencia que facções disputam espaço, treinam guerrilhas urbanas e invocam autoritarismo paralelo ao Estado.
Ao Estado resta a via institucional para enfrentar esse desafio. As autoridades fazem apreensões recordes, mas ainda sofrem com logística criminosa transnacional e armamento pesado. É necessário aprofundar cooperação federal nas fronteiras, endurecer legislação contra contrabando e montar estratégia de inteligência robusta para desarticular rotas e células de monteiros.
O desafio envolve também a desmilitarização cultural das favelas, políticas sociais eficazes e rede de prevenção comunitária. Sem isso, a população convivente próxima ao poder bélico do tráfico continuará sob risco, com liberdade de circulação restringida, futuro escolar incerto e rotina marcada por tiroteios, tensões e insegurança cotidiana.
A reconstrução da autoridade pública requer inteligência integrada, investimentos sociais e decisão política sustentada. O enfrentamento ao tráfico armado exige vencer a guerra assimétrica em que o Estado hoje está em vantagem numérica na apreensão, mas ainda em desvantagem no controle territorial e no impacto social dessa realidade.
Fontes: Instituto de Segurança Pública do RJ, Subsecretaria de Inteligência da PM RJ, Polícia Militar do Estado do RJ