Moralidade e Legalidade Administrativa em tempos de pandemia

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Dr. Guaraci de Campos Vianna

Muito já se escreveu, aqui e acolá, sobre a pandemia e seus efeitos na sociedade brasileira e mundial

Há, sem dúvida, uma politização exagerada, e uma radicalização de posicionamentos, muitas das vezes, sem a menor racionalidade, lógica e bom senso e, como dizem, com pitadas de oportunismo sensacionalista, utilizando-se da tragédia para a obtenção de objetivos escusos, como a derrocada da política de um governante ou a obtenção de recursos ilícitos através de atos ímprobos. Exemplos não faltam, mas não é o caso aqui de desviar o foco para inserí-los no centro do debate.

O fato é que na esteira da OMS, o Governo Federal, em dezembro de 2020, após ser declarada e divulgada a ocorrência do surto do coronavírus, estabeleceu o estado de emergência em saúde pública, seguindo-se o decreto de pandemia, ante a elevação do estado de contaminação, levando o Brasil, através do Decreto Legislativo Federal nº 6/2020, em marco, a reconhecer a existência do Estado de Calamidade Pública em todo território nacional.

Nesse contexto, foi publicada lei federal nº 13.979/2020, de caráter temporário que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública, bem como as Medidas Provisórias nºs 922, de 28 de fevereiro de 2020 e a MP nº 926, de 20 de março de 2020, por meio das quais foram realizadas alterações daquela lei. Outrossim, foram editados os Decretos 10. 282, de 20 de março de 2020 e 10.329, de 28 de abril de 2020, ambos versando sobre a definição dos serviços públicos e as atividades essenciais, para fins de aplicação da mencionada lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, além da Portaria nº 356, de 11 de março de 2020, do Ministério da Saúde, que regulamenta procedimentos.

Essa nova realidade social gerou significativas modificações no comportamento do administrador público, abrindo para este um campo de permissibilidade, que pode ser de fácil condução ou, do contrário, configurar uma tormenta a ponto de gerar resultados nefastos, ao tempo em que tende a despertar nos órgãos de controle mais acuidade no exercício do seu mister.

Tais mudanças, engendradas numa expressiva quebra de paradigma, vão de redução de prazos a modificações de interpretação normativa e a título de exemplo, tem-se: (1) a possibilidade de contratações diretas e simplificadas (2), possibilidade de contratação de empresa inidônea, bem como (3) flexibilização na exigência de documentos de habilitação no processo licitatório, em caso de restrição de fornecedores, (4) contratação de bens e serviços por valores superiores aos estimados.

Considere-se oportuno o teor do art. 28 da Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018 - que alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, cujo teor predica: "O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro".

Sucede que as reais dificuldades vivenciadas na atual gestão pública hão de ser consideradas, seja no controle interno, seja pelo controle jurisdicional, à luz do já mencionado artigo 22, da lei nº 13. 655, de 25 de abril de 2018, que dispõe: "Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados".

Outro reflexo dessa excepcional conjuntura normativa é a complacência na aplicação do artigo 10, da lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, especificamente no tocante ao dolo presumido, na medida em que dispensa prova de prejuízo, em meio a uma hipótese de fraude à licitação. Observe-se o teor do referido artigo: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

[…]

Note-se que a conduta proba se logra um referencial para a maioria dos atos de controle da administração pública, seja pelos tribunais de contas, seja pelo poder judiciário, e, decerto, não há de ser diferente nesse período de normatização excepcional, dada a imutabilidade de um valor jurídico por excelência, que é a moralidade.

Por fim, essas contínuas e aceleradas mudanças de realidades, em dias de enfrentamento da pandemia, requerem, de um lado, lealdade, a boa-fé, o entendimento e probidade por parte do imediato aplicador do direito, no caso, o administrador público, e, do outro, a tolerância, a perspicácia, a ponderação e a mudança de interpretação quer seja pelos tribunais de contas, quer seja pelo Poder Judiciário, no controle da atividade pública.

Não se pode adotar a tônica do vale tudo em defesa da vida e nem tampouco ignorar as drásticas consequências se não houver a preservação da economia, sendo necessário um equilíbrio, pois o interesse imediato tem que ser o de garantir um futuro melhor para todos, dentro da lei e da moralidade.

Voilà!

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