Por que estamos militarizando as escolas?

General Marco Aurelio Vieira foi comandante da Brigada de Operações Especiais, comandante da Brigada de Infantaria Paraquedista e diretor executivo de Operações das Olimpíadas Rio 2016. Atualmente, é diretor presidente do Instituto General Villas Boas - Foto: Divulgação

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Gen. Marco Aurélio Costa Vieira

O Colégio Militar no Brasil teve origem no Exército por decreto do Imperador D. Pedro II, em 1889, no Rio de Janeiro, com o nome de Imperial Collegio Militar da Corte. Destinava-se originalmente aos filhos órfãos de militares mortos na Guerra do Paraguai, mas desde a sua criação já admitia alunos de pais não militares, bastando para tanto que fossem admitidos em concurso. No Século XX, o modelo foi replicado e já existem 13 Colégios Militares em diferentes cidades do Brasil, com o objetivo principal de atender à família militar.

As constantes transferências dos pais, as dificuldades de matrículas fora do período usual, o elevado custo das mensalidades escolares e as diferenças de currículos apresentadas pelos colégios nas várias regiões do país dificultam em muito aos filhos de militares receberem um ensino de qualidade. Assim, com um currículo único, com preços adequados proporcionalmente aos vencimentos dos militares e com direito de matrícula assegurada em caso de movimentação dos pais, os Colégios Militares constituem-se hoje em apoio social indispensável ao soldado profissional.

A partir de 1989, os Colégios Militares atualizaram-se passando a admitir as meninas, e desde 2000 inclusive aqueles que possuem alguma deficiência física. Na segunda metade da década de 1980, seguindo uma tendência mundial, os problemas da indisciplina nas salas de aula e o fenômeno da violência escolar passaram a merecer atenção dos poderes públicos e a adquirir mais importância, como se pode constatar no aumento exponencial da produção de trabalhos acadêmicos sobre esses temas.

No Brasil, em uma tentativa de se contrapor à crescente violência contra os professores, a partir do início da década de 90, por iniciativa dos próprios governos estaduais, algumas escolas começaram a ser organizadas com base no modelo de sucesso dos colégios militares. As chamadas "escolas cívico-militares", sem se militarizarem propriamente, passaram a adotar algumas das práticas do ritual militar e a utilizar um arremedo de disciplina militar.

O modelo cívico-militar tem adotado também uma gestão compartilhada entre a Secretaria de Educação e a de Segurança Pública dos Estados. A administração da escola é assumida pela Polícia Militar ou outro órgão oficial de segurança, enquanto a parte pedagógica (professores e métodos de ensino) segue sob a alçada da Secretaria de Educação.

Embora não exista um modelo único, porque o formato das "escolas cívico-militares" varia de estado para estado, uma alteração do cotidiano dos estudantes é comum a todas elas, que passam a se submeter a normas mais rígidas de comportamento, começando no tratamento respeitoso aos mestres e na maior obediência aos horários. Os professores também passam a exigir e a participar de alguns ritos simbólicos, como serem recebidos de pé pelos alunos nas salas de aula, que visam proporcionar um clima de maior responsabilidade e respeito mútuo, entre todos os integrantes da escola. Em muitos casos é reinserido no currículo escolar a disciplina de Educação Moral e Cívica, e uma cerimônia de hasteamento à bandeira passa a acontecer semanalmente.

Hoje, existem 120 escolas "militarizadas" em 17 estados da Federação, sendo 70 só em Goiás, o estado que lidera o número de escolas desse tipo no país. Na esteira da realidade dessa demanda social, em janeiro deste ano o governo aprovou uma nova estrutura organizacional do Ministério da Educação, e criou a Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares (SECIM), encarregada de formatar de gestão educacional e de coordenar programas pedagógicos que envolvam civis e militares, para ser aplicado nas regiões brasileiras. O decreto de criação explicita que a adesão ao modelo é voluntária e cabe aos sistemas de ensino municipal e estadual "atendendo, preferencialmente, escolas em situação de vulnerabilidade social".

O fato é que apesar do alardeado rigor, e das discussões apaixonadas sobre a validade dessa forma "pouco democrática" de educação, as escolas militarizadas têm se multiplicado, seduzindo pais e alunos e tendo suas vagas muito disputadas. Em defesa do modelo militarizado de educação, os governadores afirmam que a medida tem surtido efeito para atenuar a violência nas escolas em áreas de periferia. Com o tempo, os governos destacam que a experiência reduziu ocorrências criminais a zero, praticamente acabou com a indisciplina nas salas de aula e obteve melhoras consideráveis no desempenho escolar.

Em contrapartida, as críticas à militarização do ensino recaem no argumento de que o combate à violência dessa forma estaria associado apenas ao uso de técnicas repressivas, que ignoram os reais problemas enfrentados na rede pública de ensino (evasão escolar, valorização dos professores, participação social). Ocorre que a busca pela solução da escola cívico-militar nada mais é do que uma tentativa de resgate da autoridade dos pais e professores, hoje um instrumento educacional lamentavelmente perdido nos desvãos da democracia brasileira. Os reconfortantes limites do bom comportamento que a disciplina, a civilidade e a educação formal proporcionam aos alunos, perversamente nos têm sido apresentados mais como repressão às liberdades do que como normas fundamentais para o convívio social harmônico.

No Brasil, desde a Nova República, o necessário exercício da autoridade tem sido confundido com autoritarismo, e o entendimento de liberdade parece que é o mesmo de libertinagem. É sintomático o fato de proibir-se a presença policial nos campus universitários brasileiros, como se isso fosse uma séria ameaça à democracia. Enquanto a disciplina, a simples obediência às leis e normas, não for reconhecida como fundamental para o bom funcionamento da res publica - ou seja, da coisa pública - o Brasil vai continuar buscando soluções discutíveis para questões óbvias. Reestabelecidas, aceitas e exercidas as naturais autoridades, as mães não vão mais precisar se valer de sargentos, nas escolas ou nos quartéis, para fazer aquilo que elas não têm conseguido fazer em casa, que seus filhos comam verdura e arrumem suas camas.