Origens militares da política brasileira

General Marco Aurelio Vieira foi comandante da Brigada de Operações Especiais, comandante da Brigada de Infantaria Paraquedista e diretor executivo de Operações das Olimpíadas Rio 2016. Atualmente, é diretor presidente do Instituto General Villas Boas - Foto: Divulgação

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General Marco Aurelio Costa Vieira

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Gen. Marco Aurélio Costa Vieira

A visão predominantemente ideológica do período do regime militar, assim como a postura dissimuladamente revanchista adotada com relação às Forças Armadas durante os governos da Nova República, distorceram a percepção de muitos brasileiros sobre os militares e sua atuação no âmbito político do país. Ainda assim, nas últimas décadas, as Forças Armadas têm apresentado níveis de aprovação popular sempre crescentes, mas o elevado conceito que desfrutam hoje junto aos brasileiros certamente não é obra da academia e nem se deve à imprensa. Portanto, aqueles responsáveis por decisões de segurança nacional, civis e militares, têm obrigação de saber as origens dos fatos, buscando privilegiar a história da nossa organização político-social, em detrimento de habituais distorcidas versões ideológicas. Bem conhecer o passado elucida o presente, e fica possível constatar que vivemos "tempos de cólera", de paixões exacerbadas, mas tampouco o Brasil vive uma onda autoritária ou militarista, conforme o alardeado nas manchetes dos jornais, no Brasil e no exterior.

Desde o início da colonização, o Estado português, monárquico, centralizador e monopolista soube se valer dos homens da guerra para efetivar seus objetivos maiores: a dilatação da fé e a conquista do Império. Em que pese o fato da empresa colonizadora ter se constituído mais em uma ocupação territorial com objetivos políticos, do que em um empreendimento econômico, foram "capitães hereditários", ou seja, foram militares aqueles primeiros chamados para governar o Brasil.

Na verdade, mesmo a terra sendo propriedade do donatário para o cultivo, uma Capitania não passava de uma repartição administrativa onde o poder real se fazia presente na pessoa do Capitão-Geral. Tomé de Souza, assim como Duarte da Costa, primeiros Governadores Gerais do Brasil, também eram capitães. Nascemos governados por militares. Entretanto, desde a fundação de São Vicente, em 1532, ainda que fossem fundadas por capitães, as vilas no Brasil foram governadas por câmaras de vereadores eleitos regularmente a cada três anos. E esse governo exercia os três poderes: formulava as leis locais, comandava a execução dessas leis e aplicava a Justiça, inclusive com a prerrogativa de nomear Juízes.

Segundo Jorge Caldeira, em seu livro História da Riqueza do Brasil, nos tempos coloniais, "... o governo local, por meio de autoridades eleitas, foi uma estrutura de poder permanente, geral e homogênea... com uma dose de consenso e consulta popular, capaz de operar com legitimidade. Havia no Brasil um grau de soberania popular maior que da metrópole." À burocracia civil, não esqueçamos, se mesclavam as hierarquias paramilitares, sendo que o Capitão e o Sargento-Mór eram escolhidos pelo Governador de listas tríplices indicadas pelas câmaras, comprovando que espírito público brasileiro foi formado na vila, com a população e os militares habituados a respeitar, eleger e confiar no coletivo. E acrescenta Caldeira "Foi um costume popular, coletivo, constante...durante século e meio... analfabetos e mamelucos, de três em três anos, essa gente organizou eleições, deu posse aos governos, seguiu-lhes as determinações - e os governantes entregaram os cargos aos eleitos."

A chegada da família real ao Brasil e o Primeiro Império, no início do Século XVIII, nada mudou no interior do país, enquanto no governo central houve o aumento gradativo do poder pessoal do Imperador, disfarçado de poder moderador, e um crescente protagonismo do Exército, fruto das vitórias contra as revoltas separatistas. A partir da Guerra do Paraguai, o Exército foi ganhando mais importância, e na Proclamação da República seu papel foi proeminente.

Com fortes laços tradicionais, reforçados pelos esforços de guerra, dotados de ensino superior e com a força das armas do Império nas mãos, os militares desenvolveram a convicção de que formavam uma elite nacional, e que seriam os mais indicados para dirigir o País. Patriotas por definição, em constante defesa dos interesses da nação, comprometidos com a ordem e leais aos superiores, não foi à toa que Raul Pompéia afirmou na ocasião que a única classe organizada do país era o Exército.

Lauro Sodré, iminente político republicano, também se manifestou: "Não há no nosso passado nem na nossa história uma página em que se registrem vitórias da liberdade contra a prepotência, na qual não figure ao lado do povo, levantado para a defesa de seus direitos, o Exército que é o próprio povo, que é a agremiação de cidadãos unidos pelos laços da disciplina."

A partir da República, o Brasil passou a viver a lenta mudança de uma economia predominantemente agroexportadora para uma economia urbano-industrial, conseguida efetivamente somente a partir dos idos de 1950. Mas, mesmo antes da Primeira Guerra Mundial, as instituições militares já se identificavam com essa maré industrial. O conhecimento técnico, a formação científica e a filosofia positivista, fizeram dos militares os principais agentes da evolução econômica brasileira, no Século XX.

A modernização do papel das Forças Armadas no mundo, aliada ao amadurecimento da democracia brasileira, fizeram com que os militares abandonassem uma postura de constantes revoltas para privilegiar o profissionalismo. Depois da chamada redemocratização do país, com a Constituição de 1988, as Forças Armadas do Brasil limitaram-se aos quartéis e continuam a se constituir em instituições sérias, organizadas, baseadas na hierarquia e na disciplina, privilegiando a meritocracia e totalmente isentas de qualquer influência politica.

Com a eleição de Bolsonaro, algumas opiniões insistem em associar o antigo Capitão a uma influência militarista no governo. Ocorre que os militares chamados a compor os quadros governamentais são da reserva, o fizeram por sua própria iniciativa, sem influência das Forças, as quais fazem questão de se colocar à margem das disputas do poder e afastadas de todo e qualquer envolvimento político-partidário.

Portanto, primeiramente, as Forças Armadas não estão no governo. Também, não se vislumbram quaisquer resquícios de autoritarismo. O Presidente foi eleito democraticamente, as instituições estão funcionando normalmente e os âmbitos dos poderes estão sendo perfeitamente respeitados, como de hábito, desde as nossas primeiras vilas coloniais. Taxar de autoritário, antidemocrático, ou ainda noticiar que o governo do Brasil está militarizado, é ignorância, má fé, cegueira ideológica, ou todas as respostas anteriores.