Menos racismo, mais democracia

Por Fábio Nogueira é secretário-geral adjunto da OAB-RJ

Fábio Nogueira

FÁBIO NOGUEIRA

"Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar." Nelson Mandela

A semana da Consciência Negra foi reveladora. Repensamos o Brasil, revimos o passado e olhamos o futuro mais realistas em relação à imensa população negra ou afrodescendente do país. Continuamos em dívida e nos mantemos uma nação racista. Mas nossos negros hoje são mais orgulhosos de suas origens e ostentam esse orgulho nas ruas, em todas as formas de arte, na literatura, nas empresas, nos tribunais e, especialmente, nas universidades.

Os dados ajudam a comprovar o que de bom aconteceu e o mal que ainda perdura envolvendo esse grupo de cidadãos brasileiros. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE mostra que entre 2012 e 2018 o número daqueles que se declaram pretos aumentou quase 5 milhões e os que se autodenominam pardos subiu mais de 7 milhões.

No total, o Brasil ganhou mais de 12 milhões de negros, pois é assim que o IBGE classifica quem se declara preto ou pardo. Somos então um país formado por 96,7 milhões de pardos, 89,7 milhões de brancos e 19,2 milhões de negros. No conjunto, os negros somam 56,4% dos brasileiros. A maioria. O Rio de Janeiro é a segunda cidade brasileira com mais pretos e pardos.

Com a política de cotas, mais da metade dos jovens negros de 18 a 24 anos está na universidade. É uma boa perspectiva para o futuro, mas o caminho ainda será difícil para eles. O desemprego atinge sua maior taxa entre os negros, eles formam a maioria dos incluídos entre os informais e recebem os menores salários no mercado formal de trabalho. Mais ainda, entre aqueles que concluíram o curso superior, os brancos recebem salários 45% mais altos do que os negros.

O mais preocupante, contudo, são os números assustadores da violência. As mortes violentas abatem os jovens negros de forma muito mais atemorizante do que os jovens brancos. O índice de homicídios de negros entre 15 e 29 anos é de 98,5 por 100 mil habitantes. A de brancos é de 34. Ninguém deveria morrer dessa forma, morte violenta é condenável sempre, e é quase um sinistro no Brasil.

Uma imagem emblemática marcou a terça-feira, véspera do Dia da Consciência Negra: a do deputado delegado Tadeu (PSL-SP) rasgando um cartaz que mostrava a imagem de um homem negro ferido por uma bala de um policial em uma exposição na Câmara. O parlamentar considerou que a ilustração ofendia os policiais, mas os dados mostram que as vítimas da polícia são, pela ordem, homens (99%), negros (75%) e jovens (78%), segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

O historiador Leandro Karnal ensina: "Não tenho direito ao preconceito. Isso não só tem que ser reprimido como criminalizado para que as pessoas entendam que racismo, misoginia e homofobia constituem gestos de ódio. Esse gesto de ódio institui a violência real."

Racismo é crime previsto na Constituição e em uma lei específica assinada há 30 anos no Brasil. A Lei de nº 7.716, de janeiro de 1989, define a punição para "os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional". Entre os crimes, estão impedir o acesso de uma pessoa devidamente habilitada a um cargo público ou negar emprego na iniciativa privada, que podem render penas de dois a cinco anos de reclusão. Também são crimes ações como impedir inscrição de aluno em estabelecimento de ensino, recusar hospedagem em hotel ou atendimento em bares e restaurantes e até barbearias.

O Código Penal prevê ainda, no parágrafo 3º do artigo 140, o crime de injúria racial. Consiste em ofender alguém com base em sua raça, cor, etnia, religião, idade ou deficiência. A pena varia de um a três anos mais multa.

Os dois crimes, contudo, ainda registram baixo número de processos e condenações no país, mas não porque houve redução do racismo. A apuração e tramitação dos processos é longa e dificultada, muitas vezes, pela falta de empenho dos responsáveis, mesmo quando envolvem pessoas conhecidas, artistas, intelectuais. Nas redes sociais, o racismo se dissemina sem controle e atinge a todos, basta lembrarmos os casos mais recentes envolvendo a jornalista Maria Júlia Coutinho e a atriz Taís Araújo.

Talvez as penas reduzidas e a morosidade dos processos ajudem a manter os dois crimes em alta no país. Avançamos, mais ainda há um longo caminho a percorrer para superar o imenso abismo que abrimos no passado escravocrata para chegarmos a um Brasil mais igualitário para sua imensa massa de cidadãos negros. E não é negando o racismo ou a realidade estatística que vamos conseguir ser, realmente, um país em que diversidade não é um entrave, mas um sinal de avanço e prosperidade.

Que possamos ter uma sociedade verdadeiramente democrática, formada por homens e mulheres livres e iguais!

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