Primeira infância: assentamento de registro civil

Dr. Guaraci de Campos Vianna é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Foto: Divulgação

Seus Direitos na Justiça com Guaraci Campos Vianna
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Anteriormente tivemos a oportunidade de mencionar o marco legal da primeira infância, criado pela Lei 13.257/2016. Como ficou assentado, o referido marco legal trata das diretrizes e políticas públicas traçadas e pensadas em benefício das crianças de 0(zero) aos 6(seis) anos de idade. É preciso que se tenha em mente que as políticas voltadas para a criança começam quando a mesma é concebida, ou seja, antes de nascer.

Durante a gestação, ao se assegurar alguns direitos à gestante (parto com dignidade, acesso a tratamentos médicos na fase pré-natal, assistência preferencialmente com o mesmo médico durante a gravidez, dentre outras medidas previstas pelo SUS). Não se está garantindo apenas à sua pessoa, posto que ela carrega consigo outro ser, que, embora não nascido, é uma pessoa dotada de personalidade e vida própria (ainda que não autônoma).

Com outras palavras, os direitos da gestante são também do nascituro e devem ser regulados pelos diplomas legais que protegem a primeira infância (Lei 8069/90, Lei 13.257/2016, etc).

Pois é. O tema voltou à pauta do governo (aliás essa questão nunca pode sair da pauta de governo algum), porque recentemente o Presidente Jair M. Bolsonaro assinou o Decreto 10.063 (14/12/2019), que dispõe sobre o compromisso nacional pela erradicação do sub-registro civil de nascimento e ampliação do acesso à documentação básica.

Destarte, é direito da criança ter a sua existência constante no assentamento de Registro Civil de Pessoas Naturais, ao nascer, obviamente, e mesmo antes de nascer.

Por certo, em condições normais se registra o nascimento em livro que fica sob a guarda do cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais, e dessa anotação no livro se extrai uma certidão, daí o termo certidão de nascimento.

Mas não é só. Conforme o artigo 10, II da Lei 8069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente): “Art. 10. Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, públicos e particulares, são obrigados a: II - identificar o recém-nascido mediante o registro de sua impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe, sem prejuízo de outras formas normatizadas pela autoridade administrativa competente;”.

Entretanto, no caso de crianças geradas com contestação da paternidade, vez por outra se faz necessário exigir do suposto pai assistência material (v.g. inscrição como dependente no plano de saúde) ou então, na hipótese de haver risco de morte do pai antes do nascimento da criança, ou, ainda em havendo, uma viagem longa ao exterior, há uma previsão leal para o registro anterior ao nascimento. É juridicamente possível, inclusive, uma ação de alimentos (alimentos gravídicos) proposta contra o suposto pai para custear as despesas da gestação e do parto em favor do nascituro.

De fato, de acordo com o artigo 26 do ECA: “Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação. Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou suceder-lhe ao falecimento, se deixar descendentes”.

Dessa forma, não obstante o brilhantismo da iniciativa do Decreto 10.063/2019 do Governo Federal que, como já mencionado dispõe em seu artigo 2º: “O Compromisso Nacional pela Erradicação do Sub-registro Civil de Nascimento e Ampliação do Acesso à Documentação Básica objetiva conjugar esforços da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para erradicar o sub-registro civil de nascimento no País e ampliar o acesso à documentação civil básica a todos os brasileiros”, é preciso esclarecer ou aditar no que couber, a possibilidade de se produzir um registro de existência do nascituro (ou seja, antes do nascimento) quando necessário. As formas de reconhecimento da maternidade precisam também ser consideradas.

O Decreto referido institui um Comitê Gestor Nacional, integrado por vários Ministérios (Art. 6º, §1º) e também pelo Conselho Nacional de Justiça, IBGE, INSS, e os Cartórios (art. 6º, §2), que por certo deve apreciar esse tema com profundidade e incluir como documentação básica o registro geral de existência de pessoa física mesmo antes do nascimento, porque como sabemos, a Lei assegura os direitos do nascituro.