Feminicídio

Dr. Guaraci de Campos Vianna é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Foto: Guaraci Campos Vianna

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Guaraci de Campos Vianna

A lei 13104/15 (Lei do Feminicídio) teve origem numa CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito). Nem sempre uma CPI acaba em pizza, como se diz o jargão popular. Na verdade as CPIs, apesar de possuírem poderes investigativos, se destinam a produzir propostas ou sugestões de projetos de Lei e/ou, se constatarem algum ilícito, encaminharem suas conclusões para o Ministério Público para apuração de responsabilidades (art. 59, §3º da CF).

Pois bem, concluída a CPMI, constatou-se a necessidade de tipificação do feminicídio no Brasil.

Assim como o infanticídio, o feminicídio é uma espécie de homicídio, um crime doloso contra a vida, uma forma extrema de violência. No artigo 121, §2, A do Código Penal foi incluída uma norma penal explicativa.

Na verdade, trata-se de um reconhecimento de que as mulheres estão sendo mortas simplesmente por estarem em condição do gênero feminino, expondo a desigualdade entre homens e mulheres ainda, existente em nossa sociedade.

Ainda se discute no meio jurídico se essa designação especial conduziu a um aumento dos crimes praticados contra as mulheres nos contextos referidos na Lei 13,104/15. Mas a verdade é que o deslocamento dos crimes dolosos contra a vida praticados contra as mulheres, quando há relação íntima ou de afeto, do tipo penal de homicídio para o tipo penal de feminicídio, permitiu a identificação dos dados estatísticos e o incentivo a políticas públicas de proteção as mulheres.

Destarte, é preciso compreender a complexa interação de fatores individuais, de relacionamento, sociais, culturais e ambientais com a violência. No caso específico do crime praticado pela mera razão de a mulher pertencer ao sexo feminino, não se pode desconsiderar que em alguns casos o relacionamento pode se tornar abusivo sem que a mulher perceba, e de maneira que ela o considere como forma de proteção ou algum tipo de "ciúme saudável". Geralmente, dentro de alguns parâmetros, não há nada de errado nisso. Mas, nada em excesso é saudável e identificar um relacionamento abusivo, com prática de uma violência não física (moral, psicológica, entre outras) é muito difícil, as vezes impossível.

Contudo, especialistas apontam três fases para se chegar a violência física, ao feminicídio: a primeira é o aumento da tensão acumulada no cotidiano; as injúrias praticadas pelo agressor criam, na mulher, uma situação de perigo iminente. A seguinte fase é marcada pelos ataques violentos, tanto de forma psicológica quanto de forma física, com tendência a aumentar. Aí há uma resistência, ou uma ameaça de separação ou denúncia, o que faz surgir a terceira fase, que é a "lua de mel" em que o agressor pede desculpas pela agressão, promete mudança, geralmente enche a mulher de presentes para compensar e diz que aquilo nunca mais irá acontecer. Se esse ciclo se repetir, ou seja, após a "lua de mel" se voltar à primeira fase, em casos extremos, ocorre o feminicídio, ou pelo menos identifica-se uma situação de risco.

Portanto, é preciso estar atento à violência implícita, como a psicológica (diminuição da autoestima, constrangimento, manipulação, isolamento, chantagens, controle excessivo via redes sociais, etc) e sexual (constrangimento a manter ou presenciar relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força: impedir a mulher de usar contraceptivo para evitar gravidez, doenças, etc), patrimonial (quebrar celular, reter documentos, privar a mulher de ter acesso a determinada coisa ou local) e moral (calúnia, difamação ou injúria, antes de se chegar a violência explícita, que é a agressão física, a qual inclusive, pode chegar ao feminicídio).

Essas formas de violência, aliás, estão previstas no art. 7º da Lei 11.340/2006 (lei de Violência Doméstica), denominada popularmente de Lei Maria da Penha.

Como se pode observar, o ordenamento jurídico é bem explícito e completo no que tange a proteção à mulher. No entanto sua eficácia não é plena. Ainda ocorrem agressões e feminicídios. Por quê? Alguns apontam a escassez de profissionais da área jurídica e psicossocial, a falta de investimento em programas de prevenção e auxílio no combate à violência contra a mulher dentre outras coisas.

Mas o importante é saber que o agressor será punido e que a melhora estrutural do Judiciário, do Ministério Público e da polícia, apesar de não ser a ideal, tornou mais eficaz a aplicabilidade das medidas protetivas e punitivas, com o objetivo de defender a mulher na sociedade.