Direito ao corpo e as partes do corpo

Seus Direitos na Justiça com Guaraci Campos Vianna
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Dr. Guaraci de Campos Vianna

Os direitos da personalidade abrem diferentes linhas de soluções jurídicas como, por exemplo, a cirurgia de redesignação de sexo, transfusão de sangue não autorizada, doação de órgãos, entre inúmeros outros.

Projeção física da pessoa, o corpo humano também é objeto de direitos, quer como complexo fisiológico e anatômico, quer em suas partes separáveis. A discussão foi objeto de um filme, do controvertido cineasta espanhol, Almodóvar, em "A pele que habito", que discute os limites da bioética do ponto de vista da autonomia, consentimento e construção da própria identidade corporal. O filme, de 2011, baseia-se no romance francês de Thierry Jonquet, Tarântula, São Paulo, Record.

Como sabemos a integridade física é inviolável, projetando-se a tutela desde o campo penal (crimes de homicídio e lesão corporal) até o campo cível onde há previsão de indenização no caso qualquer ofensa à saúde (art. 949 do CC.).

Neste mesmo desiderato, tem sido deferidas indenizações da União a vítimas de torturas, nada obstante o prazo prescricional de cinco anos das ações contra o Estado (art. 1º do Dec. 20.910/1932) e também as dificuldades de se estabelecer o contraditório, haja vista o tempo decorrido (década de 70). Com isso muitas indenizações são pagas somente pela mera afirmação da vítima de que foi torturada.

Os casos de autolesão ou automutilação, somente são autorizados em casos de exigência médica, como extinção de órgãos, na amputação terapêutica de membros gangrenados, de acordo com o art. 13 do CC, que assim está redigido: " Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. "

Entretanto a justiça, com apoio da classe médica, tem ampliado o conceito do citado art. 13 do CC, para admitir as cirurgias estéticas e plásticas e as cirurgias de transgenitalização dos transexuais, para alteração dos órgãos de cúpula e da estrutura biológica do sexo.

Isso também pode gerar a averbação da alteração do sexo e nome em registro civil, através de decisão judicial. Vale dizer, o transexual operado obtenha alteração judicial para modificação do prenome, substituindo pelo apelido público e notório, pelo qual é conhecido no meio em que vive.

Outra hipótese de exceção é a doação de órgãos que é permitida pela Lei e incentivada por diversas políticas públicas para preservar a vida de quem necessita.

Caracteriza-se pela gratuidade e revogabilidade. Pode ser realizada em vida, no caso dos órgãos duplos ou funcionáveis ou post mortem após o diagnóstico de morte cerebral, atestado por dois médicos, dispõe o art. 4º da Lei 9434/97: "A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte."  

O corpo também pode ser apropriado após a morte, para fins de pesquisa cientifica; por exemplo, em faculdades de medicina ou ainda, quando se revestir de valor cultural, em museus, como múmias.

Outra questão é "transfusão de sangue no caso das testemunhas de jeová". Por questões religiosas, alguns entendem ser vedado o tratamento transfusional alegando o risco do procedimento. Tal matéria ganha relevo em situações de emergência, em que o médico tem que se decidir por realizar ou não o tratamento, sem possibilidade de consultar a pessoa. O mesmo ocorre quando o paciente é incapaz (v.g. menor de idade). O tema tem sede no artigo 15 do Código Civil. "Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica. "

Tem prevalecido entendimento segundo o qual a liberdade religiosa é valor constitucionalmente assegurado e deve ser protegido como qualquer outro direito fundamental. Contudo, em iminente perigo de vida, parece mais razoável que o médico possa fazer o tratamento por versar de um bem jurídico de maior (vida, integridade física e saúde).

Temos ainda a questão da tatuagem, tão comum nos dias atuais, mas que por muitos ainda é considerada uma autolesão e em algumas carreiras públicas são vistas com certo constrangimento ou discriminação.

Enfim, o campo dos direitos da personalidade, sobretudo nessa parte que se refere ao corpo, mostra muitas facetas além da religião que nos ensina ser o corpo um templo de Deus. O Direito regula bastante a sua tutela, pois outrora invioláveis e absolutos, contempla-se muitas exceções.