O general Heleno

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Orlando Gonzalez

É ofensivamente claro o embate que o congresso nacional promove contra o executivo em guerra de baixa política, alimentada pelas perspectivas das futuras eleições, já que ideias geradoras de soluções incidentes sobre os grandes problemas da Nação não se fizeram presentes por iniciativa parlamentar. Os últimos trinta anos compõem uma história de omissões, mais do que realizações, algumas destas pautadas mais na demagogia do que em prospecções estruturantes. As reformas, de uma necessidade premente já à época da constituinte, atravessaram três décadas como joias da retórica de palanque. Como imprescindíveis e inadiáveis, tinham tudo para se tornar promessas captadoras de votos, e assim eram tratadas - apenas como promessas. Lula, em seu primeiro discurso perante o congresso nacional, prometeu implantá-las, citando-as uma a uma. Em seguida leu, no seu texto, uma segunda promessa: enfrentar a corrupção. Como é consabido, omitiu-se na primeira durante oito anos e participou ativamente da segunda. Aos que duvidarem da existência desse episódio, a cena esta gravada nos documentos de vídeo do congresso.

De modo que, durante três décadas, a inação governamental atinentemente às reformas e o clamoroso desinteresse parlamentar por elas causaram graves danos às finanças do estado brasileiro e provocou, em parceria sórdida com a corrupção, sofrimentos ainda não contabilizados ao povo de quem emana, segundo um dispositivo constitucional de efeito duvidoso, todo o poder. Três décadas perdidas, nas quais congressistas viam a banda passar da sua zona de conforto regada a inacreditáveis privilégios e bancada por um país cujos recursos públicos se esvaíam progressivamente.

Em 2.019, assume um governo dispostos e enfrentar as dificuldades das reformas, porque sabia que, sem elas, os outros itens de soerguimento do país estariam previamente comprometidos. Encarou os desgastes inerentes a elas, razão pela qual governos passados só as mencionavam nas verborreias de campanha. Evitavam-nas, na prática, por impopulares. E viam o país deslizar ladeira abaixo a caminho da Venezuela, onde crianças já buscam sobrevivência colhendo restos de comida no lixo.

É curioso que a chantagem da câmara sobre o governo é mais do que visível, ainda que para o mais distraído dos cidadãos. Alguns exemplos: em sua coluna, Lauro Jardim citou nominalmente um parlamentar que bradava que, sem verbas, seu voto seria contra a reforma da previdência. Ou seja, em primeiro lugar o dinheiro; sem o vil metal, o Brasil que se lasque. O deputado José Guimarães, aquele que inaugurou a aplicação de investimentos no fundo da cueca, quiçá o mais rentável, aparece em vídeo exortando seus correligionários a votarem contra a reforma previdenciária, a não apresentarem substitutivos. É a famosa oposição sistemática, cujos nefandos objetivos negam a prevalência do interesse no país para exaltar as prioridades cínicas da política suja. Não se perdeu no tempo a imagem de Rodrigo Maia a anunciar as "dificuldades" de aprovação da reforma da previdência, culpando o presidente por não ir "articular" na câmara os entendimentos específicos, embora o governo tenha enviado para esse mister o ministro Guedes e o secretário Marinho. O plenário, em vez de debater o projeto, deu um espetáculo circense em que ofendeu o ministro. Conhecem-se bem os significados do verbete "articulação" no dicionário da política de chantagens em que surgem facilidades legislativas, ou dificuldades, dependendo do fluxo de interesses que dominarem o cenário de votações. Nauseado com esse comportamento reiterado em que o país se debate asfixiado pelo ambiente político, o General Heleno fez o seu protesto legítimo e pertinente, ecoando a indignação de muitos brasileiros que não têm voz nem poder político e veem o tempo passar, e as misérias herdadas se perpetuarem.

É de notar que, nesses momentos em que se toca na ferida de parlamentares carreiristas, escapam eles para se abrigar na democracia, como se ela protegesse faltosos e, pior, como se ela estivesse ameaçada, e não eles, atingidos fragorosamente pela crítica incontestável do general. Quando perceberam que seriam, no futuro próximo, responsabilizados pela sua omissão, os parlamentares que seguem a oposição sistemática, interesseira ou ideológica, passaram a apoiar as reformas, nem tão depressa que pudesse resultar em vitória do executivo, nem tão devagar que escancarasse o boicote. Daí em diante, os resistentes que pretextavam "articulações", insinuaram-se, com extremo cinismo, detentores das reformas e julgam que usurparam do governo sua autoria. Para simularem suas, desidratam-nas e propalam que, se não fossem eles, não seriam aprovadas. Lambuzam-se com o esbulho mal engendrado na esperança de não serem notados na manobra hedionda.

Então você, eleitor zeloso, não ouse trazer à tona a podridão política, nem a mais evidente, porque estará ferindo de morte a democracia. Pergunte como nosso querido Brasil chegou à beira do precipício, empurrado que foi pela desídia parlamentar durante três décadas de irresponsabilidade, em que as reformas se tornaram cardápio de promessas num primeiro momento de euforia de campanha para tornar-se, num segundo passo, fruto do mais calculado e criminoso esquecimento.

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