Competência concorrente e poderes da República

Dr. Guaraci de Campos Vianna - Foto: Divulgação

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Dr. Guaraci de Campos Vianna

Como sabemos, todo Poder emana do povo e em seu nome será exercido. Contudo, todo esse poder é consubstanciado, instrumentalizado em documento único, que desde a carta de João Sem Terra, chamamos de Constituição, Carta Magna ou simplesmente Lei Maior.

Nesta Constituição constam as funções do Estado e quem as exercem, estabelecendo ali o que cada um pode fazer.

Sabemos que o nosso Estado é Federativo e é composto por três esferas: Federal, Municipal e Estadual.

Dessa forma, em um mesmo lugar, sobre determinado assunto, podem vigorar três leis: uma Federal, outra Estadual e uma Lei Municipal. E agora? Qual lei vale? Qual será cumprida?

Embora se esteja utilizando a esfera Legislativa, isso pode ocorrer de forma semelhante ou próxima nos Poderes Executivo e Judiciário, sendo que este último não existe na esfera Municipal.

A maioria acredita que tudo se resolve pela regra da hierarquia: a esfera Federal prevalece sobre a estadual e esta sobre a Municipal. Não é bem assim.

Observem, a título de exemplo, que nos momentos atuais, o guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal, que recebeu da própria "Lei Maior" a missão ou incumbência de interpretá-la, decidiu que as regras dos Estados e dos Municípios prevalecem sobre a Norma Federal para estabelecer as restrições (e o fim delas) enquanto durar a pandemia.

A regra básica é que cada um cuida do seu quintal. Mas como estabelecer esse regramento de forma explicita? A Constituição estabeleceu uma regra geral para definir a competência exclusiva da União e dos Municípios (ou seja, só eles podem legislar) e a competência dos Estados é feita de forma residual (ou seja, o que não for da União Federal e não for dos Municípios, é do Estado). Observamos esse critério nos artigos 22, 25, 29, e 30 da Constituição Federal de 1988.

Nesta hipótese, não há hierarquia e sim conformidade (ou não) com a Constituição. O que for da competência do Município (interesse local), prevalece sobre a legislação Estadual ou Federal e assim por diante. Não se trata de hierarquia, mas sim de inconstitucionalidade, ou seja, uma Lei (Constitucional) exclui a outra (inconstitucional).

O art. 23 da CF/88 fala da competência comum dos três entes federativos, mas não se vê ali atribuições legislativas. Se as houver, aplicam-se as regras da competência concorrente, descritas a seguir.

A Constituição Federal prevê a coexistência de duas leis sobre o mesmo tema: trata-se da competência concorrente, prevista no art. 24 da CF/88, restrita a União Federal e as Estados e Territórios Federados, além do Distrito Federal.

Ainda aqui não há prevalência de uma lei sobre outra pelo critério hierárquico, mas sim pela regulação constitucional do que pode constar numa Lei Federal e noutra Lei Estadual. Os critérios estão definidos nos parágrafos do próprio artigo 24, que ora se transcreve: § 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. (Vide Lei nº 13.874, de 2019); § 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. (Vide Lei nº 13.874, de 2019); § 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. (Vide Lei nº 13.874, de 2019); § 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário. (Vide Lei nº 13.874, de 2019).

Destarte, a finalidade da União ao estabelecer as regras gerais em termos de competência concorrente é a unificação mínima fundamental do tema, permitindo aos Estados a adequação do tratamento legislativo específico às peculiaridades regionais e locais.

Com outras palavras, a União está restrita ao estabelecimento de diretrizes nacionais sobre certos assuntos, que deverão ser respeitadas pelos Estados-Membros na feitura das suas legislações que detalharão às relações e situações concretas a que se destinam.

Diante desse quadro exposto, afastando-se dos aspectos políticos do tema, muito se tem falado a respeito da falta de uma liderança nacional para aprimorar o enfrentamento da pandemia de Covid-19.

Todavia, o Supremos Tribunal Federal, em sessão realizada em 14.04.2020 confirmou o entendimento de que as regras editadas pela M.P. 926/2020 e pela Lei Federal 13979/2020 não afastam a competência concorrente, nem a tomada de providencias normativas e administrativas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios.

Assim cabe a União estabelecer as normas gerais (e ela o fez antes dos Estados e Municípios em fevereiro/março de 2020), ficando sob a responsabilidade dos outros entes federativos, os assuntos locais (Estados) e de peculiar interesse (Municípios). Não se pode responsabilizar só um ente federativo. Literalmente cada um cuida do seu quintal, de acordo com os limites constitucionais.