Representação e processo legislativo

Cassio Rodrigues Barreiros - Foto: Divulgação

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A representação da vontade popular, desde seus primórdios na formação e estruturação dos Poderes Públicos, se inicia com a eleição de representantes por meio de um processo eleitoral democrático e se consolida com a produção das leis por deliberação dos eleitos por meio de um processo legislativo. Ocorre que, no processo legislativo brasileiro, há minúcias e procedimentos que, por vezes, podem distanciar a vontade popular do quem vem a ser estabelecido por regra nas normas.

Quanto à representatividade e à vontade popular, é possível constatar o seguinte: a representatividade não mais ocorre como nos modelos dos contratualistas da modernidade. A principal questão que se percebe, relacionando tal instituto ao processo legislativo é a seguinte: a pulverização de partidos políticos (mais de 30 existentes atualmente), que podem não estar representando seus eleitores por meio dos valores defendidos para eleição dos seus parlamentares, mas, pelo contrário, tal pulverização viabiliza uma forma sutil dos grupos de todas as espécies (econômicos; setoriais; religiosos etc.) exercerem o domínio da atividade legislativa, e não deliberando necessariamente as matérias de interesse da sociedade. Outra questão que é relevante é a hipótese de deliberação das matérias poderem ser feitas exclusivamente pelas comissões de parlamentares.

Em tal contexto, a representatividade assume fundamental relevância para o processo legislativo, uma vez que há um inevitável déficit na representação democrática pela redução da densidade democrática. Em outras palavras, a proporcionalidade estabelecida na Constituição da República para a representação popular dos estados e do Distrito Federal na Câmara dos Deputados é diluída na representação dos blocos partidários nas comissões. Ou seja, ocorre facilidade para a deliberação por quantidade de parlamentares bem menor do que a do plenário da Casa Legislativa. Em tal circunstância, abre-se espaço para a o exercício do poder por grupos que desejam satisfazer as suas necessidades em detrimento do interesse geral.

Considera-se que as comissões parlamentares são indispensáveis para a produção legislativa devido à elevada quantidade de proposições, todavia devem ser estabelecidas limitações mais rígidas, não somente no que diz respeito às suas composições, como também uma limitação nas suas atribuições, pois como a quantidade de normas deliberada pelas comissões, se comparada às normas deliberadas pelo plenário, é bem superior.

As regras estabelecidas para as comissões, por apresentarem as dubiedades e, até mesmo, a ausência de dispositivos, contribuem para a facilitação na captura legislativa, como também para acentuar a carência de representação democrática.

Recentemente a exigência instituída pela Emenda Constitucional nº 95 de 2016 para o processo legislativo brasileiro, ou seja, o estudo de impacto orçamentário ou financeiro para as proposições que venham a criar despesas, em que pese ser louvável tal exigência constitucional, não serve para que o processo legislativo seja fiel expressão da representatividade democrática.

No que tange ao processo legislativo, tal como se encontra regulamentado, incluindo-se nele a possibilidade de deliberação das comissões e se estas afastam a legítima representação popular, o que se constata, como anteriormente mencionado, é que, proporcionalmente, a quantidade de proposições aprovadas nas comissões em relação é bem maior que às aprovadas em plenário, revelando um dado que pode ser dissociado da representação democrática. Qualitativamente, podem ser citadas leis, até mesmo em matéria penal, que deveriam ter uma deliberação mais robusta para sua aprovação.

Em tal configuração, seguem as seguintes sugestões: a) a reformulação dos regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, estatuindo regras com mais precisão e clareza, principalmente nas formulações de conceitos, tais como 'bloco parlamentar', 'comissão', dentre outros; b) a inserção da exigência de estudos de impacto para a apresentação das proposições, a exceção daquelas que não criam obrigações, seja para o setor público ou para o setor privado.

Enfim, a representatividade tal como é exercida atualmente bem como a expressão da vontade popular podem não ter no processo legislativo a correspondente expressão democrática que a sociedade efetivamente espera nos processos de deliberação das normas.