Juízes: a angústia no decidir

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Por Orlando Gonzalez, procurador federal aposentado

A tão esperada renovação do Congresso Nacional trouxe uma geração de novatos entusiasmados, ansiando por participar da vida nacional com suas contribuições fundadas num ideário inovador a preencher omissões legislativas históricas, mantidas por oligarquias poderosas, interesses político-partidários empedernidos além de uma multifária vertente de forças econômicas que influenciam, silentemente, muitas das normas jurídicas de cujas origens inacessíveis sequer se desconfia. E é esse manancial de bons ventos e ciclones indesejados que, misturados e indefinidos em suas máscaras, cai sobre a magistratura, incumbida de aplainar controvérsias, sob o fogo cruzado de interesses que movem as placas tectônicas do subsolo político de onde partem digressões habilmente construídas ocupando espaços midiáticos, muitas vezes para manipular a opinião pública a apoiar o que nem sempre está na expectativa da sociedade.

Nesse charivari de informações e contrainformações, tecido com técnicas da propaganda subliminar e da espionagem e contraespionagem industriais (e até estatais), os magistrados sofrem as dores de parto de julgar subordinados a leis que já chegam deformadas pelo empurra-empurra que as geraram, sendo até difícil identificar a área de influência onde se situam suas casamatas. Vislumbra-se, então, que o Legislativo jorra, por legislatura, milhares de conflitos, oriundos de leis novas, no colo do Judiciário, muitas que afrontam a técnica legislativa e ostentam seus jabutis oportunistas. Pior: o amontoado de leis se desdobra em decretos e regulamentações que geram mais antagonismos entre cidadãos e entidades governamentais, hostilidades essas que deságuam, inevitavelmente, nos labirintos forenses.

Sobrecarregados, os juízes padecem de toda gama de críticas. Está na boca do povo: a Justiça é lenta, a prescrição chega primeiro que a pena, o acesso a ela diferencia o rico do pobre, etc. Como se o entulho de processos não tirasse a velocidade desejada. Como se leis, compostas às pressas e estruturadas por cabos de guerra particulares, propiciassem sentenças impecáveis, isentas de erros, aqueles erros que o arrevesado das leis não deixa ao julgador uma terceira via de eleição, já que sua obrigação é julgar e não legislar. E tem de sentenciar, não pode considerar a causa empatada, como ilustra a piada do juiz do interior, nem pode encaminhar os autos ao Legislativo para que esse Poder preencha lacunas, revogue dispositivos ou supra o ordenamento jurídico daquilo de que é carente diante do rolo compressor das vicissitudes sociais.

Muito embora essa angústia perpasse diariamente o exercício da judicatura, o julgador ainda ouve que sua sentença foi injusta, inadequada e ofensiva à Justiça. Não é surpreendente, vez por outra, ouvir até de operadores do Direito semelhante deselegância. Nesse caso recheiam a diatribe com o termo teratológico, emprestando-lhe o significado de monstruosidade, embora até hoje nenhuma lei tenha definido, como limite tipificado, o que seja teratológico. Deste modo, teratológico é o que alguém pensa da decisão de um juiz que, na sua independência e saber, vê o deslinde da causa por caminho diverso do crítico, especialmente quando este é a parte vencida. A discordância é normal no ambiente forense, em todas as instâncias. Quando um processo submetido a julgamento do STF e finda com o placar de 6 x 5, os votos vencidos seriam todos teratológicos apenas porque se contrapõem aos outros? Ou teratológicos seriam os vencedores?

Imagine-se essa angústia na hora de conceder uma liminar que tenha caráter de urgência, diante de uma questão em que a ameaça à vida está em jogo. Se o juiz defere o pedido, com base em informações documentais precárias, poderá estar colaborando, involuntariamente, com um golpe de soltura de um indivíduo esperto. Se nega, e o requerente morre, o juiz não passará de um desalmado, insensível às desditas humanas, que dá mais valor à burocracia judiciária que à vida humana. Um impiedoso que apenas com uma caneta mata tanto quanto um assassino vulgar.

Há mais riscos no desempenho da atividade de um juiz do que supõe o mais capaz teórico das ciências jurídicas.