Mais Brasil e menos Brasília no Judiciário

Luiz Maurício, jornalista - Foto: Divulgação

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Por LUIZ MAURÍCIO, jornalista

Sem dúvida, é inútil e baldio negar falhas e imperfeições no funcionamento do Poder Judiciário, e que alguns de seus representantes se afastem das linhas rígidas do dever completo. Mas, numa gama de mais de 17 mil juízes em exercício, são muito poucos os que se desviam do caminho do bem e neste campo destaca-se a importância das Corregedorias dos Tribunais e o Conselho Nacional de Justiça. Mas os Magistrados menos dignos constituem raras exceções.

A instituição não é perfeita, mas necessária, numa democracia aliás, em qualquer regime. Mesmo nas ditaduras a Justiça exerce um papel fundamental.Afinal, sem ela a quem pedir socorro quando houver lesão a algum direito?

Exemplos da Venezuela e outros países,registram que em regimes de força, a primeira coisa que se busca é o seu enfraquecimento.

Ao longo da história, o judiciário sofreu vários ataques externos à sua independência e autonomia. Há, inclusive, aqueles que que vêem na edição de leis como a do abuso de autoridade, e do juiz das garantias uma tentativa silenciosa de calar ou diminuir a força do poder judiciário, nem sempre independente e quase nunca harmônico com os outros poderes.

O judiciário, quando contraria interesses de classes poderosas ou expressivas no cenário político e social sofre, quase sempre, desmedimentos que costumam criar ambientes de descrença na justiça, sentimento profundamente perigoso à segurança das instituições.

Mas esses ataques sempre tiveram origem de fora para dentro da instituição.

Na atualidade, por razões diversas, pairam no seio da Justiça, tentativas internas de manietar o Magistrado, sobretudo o das cortes inferiores, o que pode ultrapassar a linha tênue de independência funcional e autonomia do juiz.

O Presidente da República criou slogan de companha dizendo:" Mais Brasil, menos Brasília". Mas, parece que no Judiciário ocorre o contrário. Súmulas vinculantes, repercussão geral, cada vez mais se obriga as cortes inferiores a seguir o entendimento das cortes superiores.

O debate de teses e princípios são balizados na boa-fé e na pureza de intenções e retidão de propósitos, são medidas criadas para combater o elevado número de processos.

Todavia, vez por outra na pouca autonomia que lhe resta, o juiz ainda está sendo submetido a uma "camisa de força": é o temor de ser punido administrativamente pelo teor de suas decisões.

Sempre que a lei é obscura ou insuficiente, para que a sociedade possa estar em posição de destaque, é preciso que o Juiz tenha o direito de interpretar as Leis ou suprir suas lacunas e julgar de acordo com a sua consciência.

O juiz anda sempre diante do legislador, quando não do próprio doutrinador, pois diante dele está o drama humano: uma vida em risco, uma prisão que pode ser ilegal, uma criança sem estudar, uma família dilacerada, enfim, um direito suprimido ou uma lesão a um direito sendo praticada.

A autonomia do juiz é poder definir em casa caso concreto quando, ponderando os interesses em jogo, se deve dar razão a uma parte ou a outra do processo. Mesmo que uma das partes seja o Estado ou a sociedade, quando, por exemplo, decide libertar um preso, relaxa uma prisão. Se o faz, não é para invadir ou obstruir outro poder, é para que a instituição judicial se salve.

É preciso afirmar energicamente a necessidade da autonomia plena ao juiz, pouco importa se de primeira ou segunda instância.

O Direito "é uma operação multidisciplinar, que envolve Direito, Filosofia, Sociologia, Antropologia e muitos outros saberes."

A afirmativa acima é de Eudes Quintino de Oliveira Junior, promotor de justiça aposentado,mestre em Direito Publico, pós doutorado em Ciências da Saúde, Advogado e Reitor da Unorp, e de Antonelli Antônio Moreira Secanho, assistente jurídico no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, bacharel em Direito pela PUC/Campinas e pós-graduação lato sensu e Direito Penal e Processual Penal pela PUC/SP, publicada em Migalhas (20.12.2019)em artigo intitulado "O Congresso Nacional e o Crime de Hermenêutica".

Depois de outras abordagens, que reafirmam a posição que assumem prante o tema, os autores da peça parcialmente transcrita indagam como corolário de sua premissa: "ora, como pode um juiz de Direito ser criminalizado pela conclusão jurídica que alcança, após legitimamente ponderar os elementos probatórios e factuais que lhe são apresentados?"

O tema sob exame é o chamado crime de hermenêutica, cuja tentativa de restauração foi exitosa, recentemente, sob a roupagem de abuso de autoridade, o que para muitos teve como objetivo restringir a autonomia dos Juízes.

Ainda que o assim denominado crime de hermenêutica se cingisse a sentenças, no presente,em vários causos ele encontra similitude e se projeta no campo disciplinar, onde decisões tomadas sob pressão da urgência e da emergência ganham a dimensão de punibilidade e se expõem à rediscussão no campo da punibilidade temerária.

Rui Barbosa foi na realidade o precursor da análise dos crimes de hermenêutica, e assim ensinou com a costumeira maestria:

"Para fazer do Magistrado uma impotência equivalente, criaram a novidade da doutrina, que inventou para o juiz os crimes de hermenêutica, responsabilizando-o penalmente pelas rebeldias da sua consciência ao padrão oficial no entendimento dos texto. Essa hipérbole do absurdo não tem linhagem conhecida: nasceu entre nós por geração espontânea (...) Se o julgador, cuja opinião não condiga com a dos seus julgadores na análise do direito escrito, incorrer, por essa dissidência, em sansão criminal, a hierarquia judiciária, em vez de ser a garantia da justiça contra os erros ndividuais dos juízes, pelo sistema de recursos, ter-se-á convertido, a beneficio dos interesses poderosos, em mecanismo de pressão, para substituir a consciência pessoal do magistrado, base de toda a confiança na judicatura, pela ação cominatória do terror que dissolve o homem em escravo"(Barbosa, Rui - Obras Completas de Rui Barbosa, Vol.XXIII, Tomo III, P.2280)

Já se disse que o dia que um juiz tiver medo, ninguém pode dormir tranquilo.

Em entrevista ao consultor jurídico, o Ministro Francisco Cesar Asfor Rocha disse: "para o juiz, a covardia é tão nefasta quando a venalidade" (Site Fenapef - https://fenapef.org.br/38251/ - 2012)

"Há 20 anos, juiz corajoso era o que condenava. Hoje, diante do aplauso fácil da sociedade que experimenta uma sensação de impunidade a ponto de defender processos sumários, o juiz, precisa ter coragem para absolver. E serenidade para suportar críticas ácidas, muitas vezes, por ter cumprido bem seu papel de aplicar a lei e garantir direitos fundamentais ao réu, como o da ampla defesa e do devido processo legal."

Decisões como a proferida pelo Ministro Marco Aurélio Mello, no caso de Salvatore Cacciola, são raras de ver no judiciário. Simpática ou não, decidiu-se com convicção e de forma destemida.

"Em 2000, o Ministério Público pediu a prisão preventiva de Cacciola com receio de que o exbanqueiro deixasse o país. Ele ficou na cadeia 37 dias, mas fugiu no mesmo ano, após receber liminar do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello --revogada em seguida. Pouco tempo depois de se descobrir o paradeiro do ex-banqueiro, o governo brasileiro teve o pedido negado pela Itália, que alegou o fato de ele ter a cidadania italiana.

No livro "Eu, Alberto Cacciola, Confesso: o Escândalo do Banco Marka" (Record, 2001), o ex-banqueiro declarou ter ido, com passaporte brasileiro, do Brasil ao Paraguai de carro, pego um avião para a Argentina e, de lá, para a Itália.

Em 2005, a juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, da 6ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, condenou Salvatore Cacciola, à revelia, a 13 anos de prisão pelos crimes de peculato (utilizar-se do cargo exercido para apropriação ilegal de dinheiro) e gestão fraudulenta."

Em recente artigo publicado no jornal O FLUMINENSE, o procurador aposentado Dr. Orlando Gonzales, expôs:

"De quando em vez, faz-se necessário relembrar o valor inquestionável da independência do juiz, como proclama a própria lei complementar 35/79, em seu art. 41: "Salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir (...)"

Esse dispositivo insculpe, em breves palavras, como devem ser vistos e respeitados os juízes, não apenas pelo porte e imponência do cargo, mas pela circunstância de que toda a pressão sobre ele, parte de onde partir, terá por objetivo afetar inequivocamente seus deveres funcionais seus deveres funcionais. Não por outra razão, o Ministro Celso de Mello:

"É que a independência judicial constitui exigência politica destinado a conferir aos magistrados, plena liberdade decisória politica destinada a e submetidas, a conferir aos magistrados, plena liberdade decisória no julgamento das causas a ele submetidas, em ordem a permitir-lhe o desempenho autônomo de officium judicius, sem o temor de sofrer, por efeito de suas prática, sem o temor de sofrer, por efeito de sua pratica profissional, abusivas instaurações de procedimento penais ou civis..."(inq. 2699-90 - rela. Ministro Celso de Melo - julgamento em 12/03/2009."

Entretanto, estes princípios têm sido relativizados pelo CNJ que estabeleceu em alguns casos a possibilidade de questionar o conteúdo de certas decisões judiciais, mesmo diante da regra impositiva e absoluta.

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em alguns casos, tem avançado na análise de conteúdo das decisões jurisdicionais de Magistrados para examinar o comportamento dos Magistrados.

Sem dúvida, estar-se mudando uma posição sacramentada na história segundo a qual não é possível analisar o acerto ou desacerto das decisões jurídicas pela via correicional, pelas corregedorias. Apenas pelos Recursos previstos na Lei se pode rever ou buscar a reforma das decisões e mesmo assim o juiz que teve a sua decisão reformada não pode ser punido por esse motivo.

Entretanto, a matéria não é pacífica e, dependendo da composição dos julgadores - conselheiros, o Conselho Nacional de Justiça tem adentrado pelo mérito das decisões jurisdicionais para, diante do desacerto das decisões, examinar se o Juiz pode ou não ser punido.

Isso leva a uma subjetividade perigosa podendo levar ao arbítrio, preconceitos e até gerar perseguições ao magistrado que decidir de acordo com sua livre convicção.

Nesse sentido, o direito das partes fica relegado a segundo plano, pois, temendo essa censura, muitos juízes se negam a dar liminares.

Com isso, muitas pessoas podem deixar de ter seu direito de internação hospitalar, por exemplo, examinado em sede de plantão, por risco de existir regra cuja interpretação seja discutível. Assim ocorre, ou pode ocorrer, com prisões desnecessárias e outras lesões a direitos que, pela demora na reparação, constituem-se em rematadas denegação de justiça.

É preciso punir os casos de venalidade, identificá-los e julgá-los na forma da lei, mas punir juízes pelas suas opiniões e decisões, é suprimir a liberdade decisória, tirar a autonomia e independência do Judiciário e prejudicar as partes lesadas e a todos, Advogados e profissionais do Direito que se interessam pela justiça.