Transição de governo

Cassio Rodrigues Barreiros, doutorando em direito pela UVA, mestre em direito pela UVA, pós graduado em direito público, advogado, professor de direito administrativo, assessor especial do governo do estado. - Foto: Divulgação

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CASSIO RODRIGUES BARREIROS

Em meio a pandemia do coronavírus e um cenário de muita incerteza e disputa política, as eleições municipais se aproximam. Na última eleição observamos uma forte renovação política e a eleição de um novo gestor é um fator de preocupação guarda relação com a continuidade da administração pública com a manutenção das ações e políticas públicas em andamento.

Imperioso destacar que em âmbito federal temos em vigor a Lei nº 10.609, de 20 de dezembro de 2002, que estabelece as regras de transição governamental pelo candidato a presidência da república eleito, com a possibilidade de remuneração da equipe escolhida pelo candidato eleito. A referida legislação informa que ao candidato eleito para o cargo de Presidente da República é facultado o direito de instituir equipe de transição.

A observância dos princípios da boa administração que orientam o administrador público deve ser preservada com o objetivo de assegurar o exercício dos direitos fundamentais. Logo, a transição de governo deve ser vista como obrigatória, e não, facultativa. Os serviços essenciais necessitam ser mantidos e os problemas de gestão devem ser previamente conhecidos pelo eleito.

O Brasil é formado pela união dos 26 estados, do Distrito Federal e dos 5570 municípios e a possibilitar de exercer dois mandatos consecutivo acarreta uma inevitável renovação na chefia do executivo.[FR1]

A falta de menção, na lei, do seu âmbito nacional, disciplinando as regras de transição não afasta a sua obrigatoriedade na esfera estadual, distrital e municipal. Ou seja, a regra da obrigatoriedade de transição emana dos princípios previstos na Constituição e demais normas infralegais, dentre os quais se destacam: a impessoalidade, a eficiência, moralidade, publicidade, a continuidade da administração pública.

Os princípios constitucionais possuem uma força normativa e funcionam como um importante meio interpretativo de todo ordenamento jurídico. Com isso, defendo que o governo eleito tem o dever legal de instalar a transição e o governo que será sucedido, tem a obrigação de suportar o adequado funcionamento da equipe de transição do eleito.

Da mesma forma que o candidato eleito pode designar sua equipe de transição para atuar em conformidade com a metodologia proposta o governo que ainda se encontra em exercício, deve designar agentes públicos para acompanhar e prestar as informações necessárias.

O problema surge quando o governo que se encontra em exercício sonega informação e frustra o adequado e pleno funcionamento da equipe de transição do governo eleito. Neste momento, surge para o candidato eleito a possibilidade de requerer em juízo as informações e a criação da equipe de transição, pois a informação é publica e o gestor tem o dever de atender o direito fundamental da população que deve ser mantido pela continuidade.

Existem diversas decisões judiciais assegurando o funcionamento da equipe de transição do governo eleito e o dever de prestar informação pelo chefe do executivo que ainda se encontra em exercício de seu mandato. Em tal sentido, reproduzem-se os seguintes exemplos:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. REMESSA NECESSÁRIA. Transição de governo. Documentos públicos. Pedido de informação solicitado pelo prefeito eleito. Negativa de fornecimento dos dados pelo chefe do poder executivo municipal em exercício. Impossibilidade. Dever da administração pública fornecer, por meio dos órgãos públicos, informação de interesse individual, coletivo ou geral. Art. 5º, XXXIII, da CF. Lei de acesso a informação (nº 12.527/2011). Resolução nº 34/2016 do TCE/RN. Remessa necessária conhecida e desprovida. (TJRN; RN 2018.007174-3; Primeira Câmara Cível; Marcelino Vieira; Rel. Des. Claudio Santos; Julg. 18/06/2019; DJRN 19/06/2019; Pág. 31)

E ainda:

REEXAME NECESSÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ELEIÇÕES MUNICIPAIS. MUNICÍPIO DE CURRALINHO. MANDATO PREFEITO 2013/2016. COMPOSIÇÃO DE EQUIPE DE TRANSIÇÃO DE GOVERNO. PREVISÃO EXPRESSA NO ARTIGO 61, § § 2º, 3º E 4º DA LEI ORGÂNICA MUNICIPAL. RECUSA DO GESTOR ANTERIOR. LIMINAR ANTECIPATÓRIA CONCEDIDA DETERMINANDO INSTAURAÇÃO DA COMISSÃO DE TRANSIÇÃO DE GOVERNO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. REEXAME CONHECIDO PARA MANTER NA INTEGRALIDADE A DECISÃO REEXAMINANDA. 1. Nos termos do artigo 61, §2º da Lei Orgânica Municipal de Curralinho, proclamada oficialmente o resultado da eleição municipal, o Prefeito em exercício ao cargo está obrigado a constituir Comissão de Transição de Governo, constituída de responsável pelo Controle Interno do Poder Executivo, do Secretário de Finanças, do Secretário de Administração e de dois servidores do quadro efetivo do município, e de mais cinco nomes indicados pelo Prefeito proclamado eleito. 2. Em reexame necessário, sentença mantido. (TJPA; RNec 0001524-93.2012.8.14.0083; Ac. 180005; Curralinho; Primeira Turma de Direito Público; Rel. Des. Roberto Gonçalves de Moura; Julg. 31/07/2017; DJPA 30/08/2017; Pág. 233)

As decisões supramencionadas refletem a necessidade de aceso a informação e a obrigatoriedade que recai sobre o governo em exercício para permitir o adequado funcionamento da comissão de transição do governo eleito.

No Estado do Rio de Janeiro, houve um exemplo bem sucedido, do qual tive o prazer de fazer parte. Logo após a eleição do governador Wilson Witzel, houve a instalação de uma equipe de transição, que foi aceita pelo governo em exercício à época da eleição, bem como o compartilhamento de informações, que possibilitou a adoção de medidas de redução de despesas já nos primeiros dias de governo com a renegociação e supressão contratual.

Estabelecida a obrigatoriedade e a justificada a necessidade de sua criação, a comissão de transição do candidato eleito deve possuir uma metodologia que será importante para consolidar as informações e produzir relatórios para que o candidato eleito tenha condições de tomar decisões importantes já no primeiro dia de governo.

Por fim, há que se ressaltar a pandemia do COVID-19 trouxe várias novas rotinas em todos os setores da sociedade, e, em tal contexto, se faz necessária a mudança nos conceitos tradicionais do mundo jurídico, preservando-se assim o cumprimento dos direitos fundamentais. Quem sabe, em tamanha adversidade, a sociedade não irá conseguir alcançar a tão almejada sociedade solidária.

Parafraseando as autoridades, 'menos jurisdicidade, mais sociedade'!!!