O Judiciário corre contra o tempo

Wagner Bragança é advogado tributarista, com pós-graduação em Direito Tributário e Administrativo Empresarial, mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Recuperacional e Falimentar - Foto: Divulgação

Cidades
Tpografia
  • Mínimo Pequeno Médio Grande Gigante
  • Fonte Padrão Helvetica Segoe Georgia Times

WAGNER BRAGANÇA

Enquanto o mundo testa 130 vacinas para combater a Covid-19, o Brasil não encontra remédio para evitar a disseminação da pandemia - que já atinge 86% dos 5.570 municípios brasileiros - nem para conter os reflexos do vírus sobre as empresas. O Judiciário calcula que vai enfrentar uma outra pandemia, a de pedidos de recuperação judicial de pequenas, médias e grandes companhias, a partir de julho. Isso porque entre a crise e a decisão de recorrer à medida judicial de salvaguarda, as empresas demoram cerca de 120 dias, segundo estudo recente da Associação Brasileira de Jurimetria divulgado pelo jornal Valor Econômico na última sexta-feira.

Dados do Sebrae indicam que 99% das empresas brasileiras são micro e pequenas. Respondem por mais de 50% dos empregos formais. Com a expansão da Covid-19, quase 90% delas sentiram o impacto na queda de faturamento a partir de fim de março. Em mais de 80% a queda superou 30%. Micro e pequenas empresas possuem, em média, caixa para despesas de apenas 12 dias, avalia o Sebrae. É quase nada para uma pandemia que já entra no quarto mês no país.

Já anotamos aqui como a crise sanitária tem atingido as atividades econômicas, ampliado o número de desempregados e afetado os empregadores. Essa sobrecarga prevista e anunciada de pedidos de recuperação judicial e falências vai atingir em cheio nossa Justiça, atulhada com algo perto de 80 milhões de processos.

Não por acaso, o Conselho Nacional de Justiça se antecipou à crise judicial e baixou várias recomendações para evitar os processos e permitir a conciliação entre as partes antes das ações de litígio, como já observamos. No caso das empresas, devedores e credores devem se entender antes, firmar acordos antecipados para atenuar os efeitos negativos do vírus no caixa das empresas - sejam as que têm débitos a pagar, sejam as que têm créditos a receber. Os dois lados sentem os efeitos da crise e podem chegar a um entendimento prévio antes de recorrer ao Judiciário.

Uma nova resolução do CNJ recomenda aos juízes de varas empresariais adotar critérios de negociação prévia e tornar mais flexível as decisões para permitir a retomada dos recursos financeiros pelas empresas. Isso é essencial num processo desgastante de recuperação. Os Tribunais de Justiça têm dado sua contribuição neste sentido. Como registramos neste espaço, em artigo anterior, os de São Paulo, Paraná e do Rio de Janeiro já implantaram projetos de mediação e conciliação pré-processuais para disputas empresariais.

Economista da Universidade de Harvard, Lawrence Summers anotou que a pandemia criou um abismo entre o tempo econômico e o tempo financeiro das empresas. O relógio econômico parou quando a loja fechou e/ou a indústria deixou de fabricar e faturar. O relógio financeiro continuou a rodar, porque as contas não deixaram de chegar. Estes dois tempos agora precisam girar juntos, para evitar o mal maior.

Reduzir a demanda por pedidos de recuperação judicial e falência é prioridade neste momento, mas é certo que, de qualquer forma, as ações devem mesmo crescer, como preveem especialistas no setor, consultores e escritórios de advocacia. Importante observar que se a companhia apresentar um pedido agora, não vai poder incluir dívidas que vão aparecer nos próximos meses. É nesse ponto que a ação extra-judicial é a melhor opção: um acordo fechado entre as partes permite à empresa um tempo para ganhar fôlego e se recuperar no pós-pandemia. Ou seja, ajuda os dois relógios de Summers a rodarem no mesmo compasso.

Casos à parte, são as empresas que já estão em recuperação judicial. O CNJ recomendou que apresentem um novo plano de pagamento aos credores e orienta os juízes a permitirem a revisão desde que a empresa esteja seguindo o cronograma de acerto dos débitos antes da decretação de estado de calamidade (no dia 20 de março) por causa da pandemia.

São seis orientações aos tribunais. De forma resumida: dar prioridade à análise de decisões em favor de credores ou empresas em recuperação; suspender a realização de Assembleias Gerais de Credores presenciais; prorrogar os prazos de duração da suspensão nos casos em que houver necessidade de adiar a Assembleia Geral de Credores; autorizar as empresas que já vêm cumprindo o plano recuperação a apresentar um novo plano; determinar aos administradores judiciais que continuem a fiscalizar as atividades das empresas em recuperação de forma virtual ou remota e a publicar na internet os relatórios mensais de atividade; avaliar com cautela o deferimento de medidas de urgência, despejo por falta de pagamento e atos de execução patrimonial para satisfazer obrigações durante a pandemia.

Importante observar que os juízes não precisam seguir obrigatoriamente as orientações do CNJ. Mas vieram em boa hora e de forma acertada em meio ao avanço do vírus também sobre a economia.