O Brasil dos pobres e dos paupérrimos

Wagner Bragança - Foto:

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Wagner Bragança

O Renda Brasil dominou o debate na semana que passou e deve ocupar boa parte do tempo do presidente Bolsonaro, do ministro Paulo Guedes e sua equipe, de políticos, do mercado financeiro e de especialistas econômicos nesta semana. O programa rebatiza o Bolsa Família e deve atender mais brasileiros carentes. Vão passar de 14 milhões de famílias beneficiadas para 20 milhões. É bom, mas a matemática tributária complica tudo.

O Brasil não tem mais de onde tirar recursos. A pandemia do coronavírus atingiu em cheio os cofres públicos e privados. Para criar o programa de atendimento a brasileiros pobres ou em extrema pobreza, os recursos vão ter de sair de algum lugar. E aí está um dos problemas, tanto do presidente quanto do ministro Guedes. O outro quesito está umbilicalmente ligado a este: o valor. Também não há consenso. O Renda Brasil, pelos cálculos da Economia, custaria R$ 52 bilhões por ano se o benefício médio a ser pago a cada família fosse de R$ 250.

O ministro Guedes propôs uma troca para custear o projeto: acabar com o abono salarial, o mínimo pago a mais anualmente a 23,2 milhões de trabalhadores com carteira assinada que recebem até dois salários mínimos por mês e estiveram empregados por 30 dias ano anterior. O benefício custa hoje$ 18 milhões, equivalente a 83% dos recursos a serem remanejados do Orçamento para o Renda Brasil sem que o teto de gastos (limite imposto constitucionalmente às despesas da União) seja estourado. O presidente Bolsonaro não gostou nada da ideia e foi claro: "Não posso tirar dos pobres para dar para paupérrimos". Avisou que não mandaria a proposta ao Congresso e pediu pressa para receber uma nova sugestão.

Nesse jogo, a equipe econômica apareceu com uma nova ideia: baixar o critério de renda dos trabalhadores com direito ao abono salarial, de dois mínimos (R$ 2.090) para um salário mínimo (R$ 1.045) e aumentar para 90 dias o período trabalhado no ano anterior. Além disso, propõe incluir um novo critério para a concessão do benefício, a renda familiar total. Com as mudanças sobrariam recursos para o novo Bolsa Família rebatizado.

Outra proposta é a de repassar os custos das despesas com a auxílio-doença para a empresas. A mudança não diminui os gastos governamentais, mas abre espaço no Orçamento para fazer repasses e encontrar mais recursos para o programa social.

Não é possível prever como todas as sugestões vão repercutir no Congresso, que deve aprovar as propostas, mas de qualquer forma não põe fim ao debate. Afinal, o presidente também não aprovou o pagamento médio de R$ 270 a cada família, sugerido pela equipe econômica. Quer mais, assim como senadores e deputados também defendem um valor maior. Fala-se em R$ 300. É mais do que a média paga hoje pelo Bolsa Família, variável entre R$ 190 e R$ 205, mas com a economia paralisada, o percentual maior já foi tragado pelo aumento dos preços, em especial dos alimentos.

A equação é difícil de resolver. O Orçamento é limitado pelos custos com a folha salarial dos servidores públicos, as despesas de custeio, os gastos obrigatórios com saúde e educação e por aí afora. Com a economia travada, as receitas ficam mais reduzidas, o governo arrecada menos. Em paralelo, parte dos ministros quer mais recursos para tocar obras e projetos que ajudariam em muito, em 2022, o projeto de reeleição do presidente Bolsonaro.

A verdade é que as despesas federais atingiram o limite máximo, não é mais possível cortar o custeio do conjunto da máquina pública e muito menos os investimentos. Não foi por acaso que o ministro da Economia optou por sugerir um remanejamento, pondo fim a programas sociais como o abono salarial, o seguro-defeso pago aos pescadores, o salário família e o Farmácia Popular, que sua equipe tacha como ineficientes. Até agora, o presidente Bolsonaro deixou absolutamente claro que não quer o fim do abono salarial, mas ainda não se sabe como reagiu à proposta de extinção destes outros programas.

Não dá para sequer imaginar que o governo vai desrespeitar o teto de gastos. O compromisso fiscal é sinal importante para investidores externos e internos. Já perdermos US$ 30,6 bilhões de janeiro a julho, retirados de aplicações em fundos de investimento, ações e títulos de dívida. A saída de capital coincide também com o menor registro de entrada desde que os grandes fundos globais de investimento anunciaram que vão evitar o mercado brasileiro enquanto o governo não estabelecer uma política clara para o meio ambiente.

Com o ponto de interrogação na mesa, corremos o risco de o governo recorrer à pior solução: a criação de um novo imposto. A ideia da CPMF aplicada às transações financeiras eletrônicas volta com toda força neste cenário, justamente quando o Congresso já começa a debater propostas de reforma tributária que visam equacionar o cipoal de impostos, taxas e contribuições cobrados de cada setor da economia e de cada um de nós.

Não há mais espaço para imposto no bolso dos brasileiros. Esta não é a saída. É preciso encontrar outras soluções para atender aos pobres e muito pobres do país.