A renovação do serviço público

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Wagner Bragança

Em vigor há 20 anos, as normas que regem o serviço público do Judiciário, Legislativo e Executivo da União, Estados e municípios vão mudar. A renovação está sendo, finalmente, impulsionada por uma proposta de emenda à Constituição apresentada pelo governo, mas não quer dizer que ficará exatamente como chegou ao Congresso. Deputados e senadores devem apresentar muitas emendas, até porque o tema é polêmico e atinge um universo imenso de funcionários públicos dos três Poderes e de todas as unidades da Federação.

A proposta é ampla e, em princípio, as novas regras vão valer para os futuros servidores, mas mudam as formas de contratação da administração pública e mantem a estabilidade apenas para as carreiras de Estado depois de três anos de serviço - diplomatas, promotores, auditores fiscais, delegados da Polícia Federal. Eles também não poderão ter redução de salário e jornada de trabalho.

A PEC é menos ambiciosa que a articulada inicialmente pela equipe econômica, mas foi ajustada para sofrer menos resistências, tanto do funcionalismo quanto dos parlamentares. O texto mostra o quanto o governo está preocupado com o aumento crescente do custo da folha de pagamentos dos servidores e da Previdência que respondem hoje por três quartos das despesas obrigatórias da União. Para se ter uma ideia, salário do funcionalismo e Previdência, juntos, representam 94% dos gastos do governo federal no Orçamento anual.
A equipe econômica também teve o cuidado de deixar de fora juízes, procuradores, desembargadores e parlamentares, alegando que tudo relativo a essas carreiras está previsto em legislação própria que só pode ser alterada por iniciativa das instituições. Dessa forma, aqueles que julgam e acusam continuam a ter direito a férias de dois meses, direito que os novos servidores deixarão de ter. As férias com mais de 30 dias serão proibidas.

Deixam de existir ainda as promoções de carreira por tempo de serviço ou apresentação de diplomas. As progressões passarão a ser feitas por mérito, como na iniciativa privada. As contratações passam a ser regidas por cinco novas formas (três por concurso e duas por um processo de seleção simplificada) e as demissões, até agora quase inexistentes, serão facilitadas. Assim, acaba o Regime Jurídico Único que assegurava a estabilidade no cargo.

Não é possível avaliar o impacto fiscal da reforma, até porque visa atingir apenas os futuros servidores públicos, deixando de fora os atuais para evitar uma nova frente de batalha e de críticas. Analistas acreditam que se as novas regras já valessem para o quadro de funcionários de hoje teria impacto fiscal de R$ 40 bilhões ao ano.

A PEC chega ao Congresso num momento crítico, com o rompimento de relações anunciado entre o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Além disso, por mais pressa que ambos tenham na sua aprovação, esta é apenas a primeira etapa das mudanças, prevista para ser apresentada em três fases. A segunda virá na forma de seis projetos de lei e um projeto de lei complementar e a terceira, e definitiva, com o projeto de lei complementar do Novo Serviço Público. É esse conjunto acessório que vai definir a estrutura de cargos e remunerações dos futuros servidores, estabelecer a gestão do desempenho, funções e gratificações, diretrizes da carreira, modernização das formas de trabalho, ajustes no estatuto do servidor, governança e direitos e deveres do funcionalismo público.

Em meio a isso, este é ano eleitoral. Em novembro, os brasileiros vão escolher os novos vereadores e prefeitos e os parlamentares acompanham as campanhas de perto, porque são justamente os integrantes das Câmaras Municipais e os gestores das cidades seus maiores cabos eleitorais. Em fevereiro do ano que vem serão eleitos os novos presidentes da Câmara e do Senado e as escolhas hoje estão indefinidas. Todo este xadrez interfere no andamento da reforma que, as previsões indicam, deve cumprir todo o processo de análise nas duas Casas por volta de abril de 2021.

Importante ressaltar, mais uma vez, que a PEC do governo não é definitiva. Vai passar por mudanças no Congresso, onde tem de ser aprovada por três quintos dos parlamentares das duas Casas em dois turnos. É um longo caminho a percorrer. E antes mesmo, especialistas já avaliam que, seja qual for o texto aprovado, o processo será judicializado, ou seja, vai acabar sendo discutido e definido mesmo no Supremo Tribunal Federal.

Tem a ousadia, contudo, de mexer numa colmeia de abelhas que todos os governos prometeram eliminar ou mudar de lugar, mas nenhum conseguiu. Desenha um serviço público mais profissional, regido por méritos e não benefícios. Vale a pena acompanhar.