O jogo de damas da cesta básica

Wagner Bragança - Foto:

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Wagner Bragança

Arroz, feijão, tomate, óleo de soja, carne, produtos que compõem a cesta básica brasileira subiram de preço desde o início do ano, a tal ponto que agora, se tornaram motivo de desentendimento entre o governo, produtores e supermercados e mesmo entre a equipe econômica e parte dos integrantes do próprio governo federal. Enquanto uns jogam xadrez, outros olham para o tabuleiro de damas e o consumidor vai pagando a conta. Mais cara a cada dia.

O IBGE constatou que o custo da cesta básica ficou mais caro 8% em média de janeiro a agosto. Apenas o quilo de arroz teve alta média de 21%. Em alguns Estados já custa algo em torno dos R$ 30. Óleo de soja, farinha de trigo e leite longa vida obrigam os consumidores a desembolsarem mais 24% do que pagavam antes do início da pandemia do coronavírus.

Com os dados nas mãos, o governo não ficou parado. O presidente Bolsonaro até tentou convencer os donos de supermercados a cobrar menos e se conformar com um lucro menor. Tentou duas vezes, e nada conseguiu. Aí decidiu zerar o imposto de importação do arroz e, em seguida, o de soja.

Em paralelo, o Ministério da Justiça notificou os supermercados pela disparada dos preços. Foi um alerta, um aviso de que o governo acompanha de perto do aumento e quer explicações para os preços cobrados. Em resposta, o presidente da Associação Brasileira de Supermercados, João Sanzovo Neto, preferiu a ironia e sugeriu que os brasileiros trocassem o arroz pelo macarrão. Não foi uma boa resposta porque, se o governo confirmar que os reajustes são abusivos pode aplicar multas salgadas. Chegam a R$ 10 milhões. O Ministério da Justiça mira 65 redes varejistas e cooperativas.

A ação do Ministério da Justiça, contudo, não agradou o Ministério da Economia. A pasta comandada pelo ministro Paulo Guedes quer saber quais medidas serão adotadas pela Justiça no caso de constatada eventual infração dos supermercados. Na verdade, a Economia não quer que a intimação disparada pela Justiça termine em controle de preços, ferindo a Constituição.

Essa é uma preocupação válida e o temor, tanto do mercado financeiro quanto dos donos de supermercados e dos varejistas de forma geral. Afinal, todos têm na lembrança a experiência de controle de preço deflagrada nos anos 1980, durante o governo de José Sarney, que terminou em um enorme fracasso. Para o Ministério da Economia bastava a decisão de zerar o imposto de importação de alguns produtos da cesta básica para garantir o item na mesa dos brasileiros. O presidente Bolsonaro disse que foi consultado pela Justiça e apoiou a medida, mas assegurou que não pretende tabelar preços.

Não se sabe no que isso vai dar. Ainda é cedo para fazer previsões, até porque a alta dos preços dos produtos tem variadas explicações e todas dependem do tempo, do mercado, do clima, para serem resolvidas. A maior causa está na valorização do dólar nos últimos tempos, que além de encarecer insumos agrícolas e industriais, tornou o mercado externo mais atrativo para os produtores brasileiros. Ganham mais exportando do que vendendo para indústrias e supermercados nacionais. Este fator atinge especialmente a soja, que ainda não falta nas prateleiras, mas está com os estoques em baixa. E, mesmo com a importação zerada, não há garantia que o óleo chegará mais barato nas gôndolas porque também a soja está valorizada no mercado global, especialmente na China, nosso maior comprador.

O mesmo acontece com as carnes. Os frigoríficos estão exportando, também para China que está refazendo os estoques abalados pela pandemia do coronavírus. Em maio, apenas para se ter uma ideia, os chineses compraram 50% da carne bovina produzida no Brasil. Com menos carne bovina em oferta, a suína e de frango são mais procuradas e consumidas e acabam ficando mais caras.

A tudo isso, vamos somar ainda o custo do transporte dos alimentos por rodovias. Os combustíveis ficaram mais caros e pesaram no preço dos produtos da cesta básica. Este ciclo vicioso ainda recebeu o impulso do auxílio emergencial pago pelo governo aos que ficaram sem emprego com a pandemia. O dinheiro foi usado principalmente na compra de alimentos, que ficaram mais valorizados.

E quando os preços vão baixar? Difícil prever. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, acredita que o arroz a ser importado dos Estados Unidos e da Tailândia deve chegar logo e, associado ao fim da colheita nas próximas duas semanas, vai equilibrar a oferta e, em consequência, reduzir os preços. Técnicos da Economia, contudo, avaliam que os importados só vão entrar no mercado daqui a dois meses e a pressão inflacionária sobre os produtos da cesta básica ainda vai se manter por mais três meses.

A nós, por enquanto, só resta mesmo procurar alimentos substitutos mais baratos e saudáveis, enquanto esperamos por dias melhores. Dentro e fora dos supermercados.