'A música é tudo para mim'

Feliz no palco do Theatro Municipal de Niterói, Luiz Carlos Justino sonha em rodar pelo país com sua música e tem planos de montar um canal no Youtube - Foto: Alex Ramos

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No dia 2 de setembro de 2020, a vida do músico Luiz Carlos Justino, de 23 anos, virou pelo avesso. Ele foi preso numa abordagem policial, em frente à estação das barcas, no Centro de Niterói, onde acabara de tocar seu violoncelo. Havia um mandado de prisão contra ele por um suposto crime de roubo, ocorrido em 2017.

No entanto, diversas testemunhas confirmam que Justino estava se apresentando no momento em que tal crime teria acontecido. Foram cinco dias de sofrimento para o artista, até finalmente ser liberto, no dia 6 de setembro, quando sua prisão foi revogada. Carregando o trauma de uma detenção injusta, o rapaz segue vendo na música a alegria de viver.

"Música para mim é vida, significa tudo para mim. Acho que a vida não faz sentido sem música. Imagina ver um filme sem música?", contou o jovem, durante entrevista a O FLUMINENSE. Justino relembrou diversas passagens de sua vida, entre elas o momento em que despertou a arte dentro de si.

Talento desde criança - Desde os seis anos Justino começou a tocar e, a partir então, faz parte da Orquestra Cordas da Grota, sediada na comunidade onde vive, no bairro de São Francisco, Zona Sul da cidade. Quem o tem acompanhado nestes agitados dias é o fundador do grupo, professor e músico Márcio Paes Selles.

"[Eu quis ser músico] Quando o violoncelo começou a falar comigo. Tenho dois irmãos de criação que cuidavam de mim e davam aula no projeto. Naquela época ficava meio dividido entre a música e o futebol, mas aí fui ficando lá, pegando o gosto de tocar", contou Luiz Carlos Justino.

Em sua curta carreira, Justino já tem aqueles momentos marcantes, que guarda em seu coração. O principal deles é a primeira viagem que fez como músico com a orquestra, quando, em suas palavras, percebeu que poderia viver daquilo que mais gosta de fazer.

"Aquilo me marcou muito, foi aí que me vi só trabalhando com música. Fomos para Minas, ficamos em uma pousada. Tinha 14 anos na época", relembra.

Durante a entrevista, o jovem teve a oportunidade de retornar ao palco do Teatro Municipal, uma das casas de espetáculo mais tradicionais e importantes de Niterói. Justino falou que não fica nervoso ao tocar para uma plateia gigante, mas fez questão de ressaltar o orgulho em poder exibir sua arte.

"A sensação é muito boa, de que a pessoa não está ali apenas para escutar a música, está ali se importando com o seu trabalho e com o que você está fazendo. Quando eu toco na rua algumas pessoas nem ligam, agora quando você sobe no palco querem ver o seu trabalho. A pessoa te reconhece", orgulha-se.

Artista talentoso que é, Justino diz não ter uma música preferida para tocar, vai gostando à medida que se apresenta. "Tem algumas músicas que são boas de tocar, em concertos. A nota musical parece que fala com você, e de tanto tocar, você acaba gostando", explicou.

Vítima de racismo - O músico se emocionou ao lembrar dos dias em que ficou preso. Embora ele afirme guardar certa mágoa de tudo o que passou, o jovem diz que a experiência serviu para buscar ser uma pessoa ainda melhor do que já é. Justino acredita que o fato de ser negro foi determinante para que fosse detido sem quaisquer provas.

"Eu estou amargurado. Aquilo lá [a prisão] não é para ninguém, não, ainda mais quando você é inocente. Agora é tentar crescer e ser mais e mais. Não sei se isso foi uma lição de vida. Você acha que se fosse um garoto branco, de olhos claros, seria parado? Não tem outra desculpa, para mim isso foi racismo", pontuou.

O jovem contou detalhes daquela quarta-feira em que foi detido. Justino sequer sabia do que estava sendo acusado e ficou desesperado ao saber que estava sendo preso por algo que ele nem imaginava.

"Eu não sabia de nada e do nada ser parado, a pessoa me acusar, ser conduzido para a delegacia. Eu fiquei em pânico. Eu mesmo estava tentando me questionar se havia feito algo de errado. Me colocaram na cela e perguntaram se eu havia avisado alguém. Eu disse que não, foi quando me falaram 'você está preso no 157'. Eu nem sabia o que significava isso", relembrou o jovem.

Após ficar detido na carceragem da delegacia, ele foi transferido para a Casa de Custódia de Benfica, Zona Norte do Rio de Janeiro e, posteriormente, ao Complexo Prisional de Guaxindiba, em São Gonçalo. Foram cinco dias de sofrimento para o artista até a liberdade.

"Eu só pensava na minha filha, não conseguia pensar em mais nada. Quando eu fui solto parecia que tinha ganhado na loteria, porque até as coisas mais simples estavam fazendo falta tipo andar para onde eu quiser, fazer o que eu quiser. Quando eles falaram que eu estava livre, nem queria esperar minha família chegar, já queria ir embora logo para minha casa", contou emocionado.

Sonhos vivos - De agora em diante, os objetivos de vida do artista são poder viver daquilo que ele mais ama, que é a música, e ajudar sua filha Melissa, de apenas 3 anos, a aprender a tocar violoncelo. Segundo o rapaz, a menina gosta de brincar com os instrumentos musicais do pai, que a diverte tocando músicas de desenhos animados.

"Meu sonho como músico é rodar o país. Em casa eu me divirto com a minha família, sou o bobão (risos). Eu acho que a Melissa vai querer tocar violoncelo e isso me enche de orgulho. Toda vez que passa desenho, ela fica me dizendo 'papai, eu quero tocar'. Ela gosta mesmo do violoncelo, é impressionante", ressaltou Justino.

Vivendo um verdadeiro turbilhão de emoções, o artista ainda organiza em sua mente os planos para o futuro. Entre eles está um canal no YouTube para expor seu talento musical. Para ele, a felicidade é enorme em ser reconhecido pelo seu trabalho.

"Eu me vejo tocando em banda ou orquestra. A gente está com um projeto de montar um canal no YouTube. É legal ser reconhecido, eu gosto disso, de mostrar o trabalho para os outros e ser reconhecido por mostrar um trabalho bem feito, isso para mim é fundamental", concluiu.

Vaquinha - A partir do incidente que resultou na prisão de Luiz Carlos, foram inúmeras as mensagens de apoio e oferecimentos de ajuda ao músico. Amigos decidiram transformar esse ato de solidariedade numa campanha de doação em dinheiro, para que o violoncelista possa alugar uma casa em área mais próxima da sede do projeto, e com melhores condições de vida. Quem quiser colaborar pode doar qualquer quantia: Banco Itaú, Agência 1518, c/c 19073-9, CNPJ: 05.241.490/0001-31.