Romance denuncia banalidade na prática do feminicídio no Brasil

A escritora toca em feridas no livro "Mulheres Empilhadas", primeiro romance de temática e protagonismo feminino em seus 25 anos de carreira - Foto: Kyrhian Balmelli / Divulgação

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Com "Mulheres empilhadas", seu primeiro romance de temática e protagonismo femininos em 25 anos de literatura, a premiada autora Patrícia Melo contraria a letra do funk que já nos embalou nas pistas de dança, e mostra, com seu humor voraz e estilo inconfundível, que um tapinha, às vezes, dói demais.

No romance, recém lançado pela Editora Leya, a autora narra a história de uma advogada paulistana que, tentando fazer as pazes com seu próprio passado, larga tudo e vai ao Acre acompanhar um mutirão de julgamentos de casos de mulheres assassinadas na maioria das vezes por homens conhecidos - pais, tios, avôs, maridos, namorados, ex-maridos. Trata-se de um romance oportuno e urgente que aborda a assombrosa temática da matança de mulheres no Brasil.

Você sempre fala das formas de violência com muito embasamento, mostrando o que existe por trás dessas atitudes. No caso do feminicídio, o que suas pesquisas te revelaram que mais te surpreendeu?

Tudo me surpreendeu: o desperdício de tanta vida, o fato dessas mortes serem previsíveis, evitáveis; a forma como a sociedade naturaliza essas mortes, a responsabilidade do Estado, que não faz nada para evitar esses assassinatos, a dimensão dessa matança. É uma realidade inaceitável. Triste. Revoltante.

E quando foi que a violência contra mulher chamou sua atenção a ponto de te inspirar um livro?

Foi a partir de uma conversa com minha editoras Leila Name e Izabel Aleixo. Elas me sugeriram que escrevesse, de forma livre, sobre uma temática do universo feminino. Ao me debruçar sobre o assunto, me deparei com os números dessa matança de mulheres. Pensei: o tema é urgente. É sobre isso que quero escrever.

Sua protagonista precisa lidar com questões pessoais em relação a esse tipo de violência. Essa perspectiva te ajudou a mostrar outro viés sobre como essa violência se forma?

O que é curioso é que esta violência ocorre sempre da mesma maneira. Minha protagonista diz que os assassinatos de mulheres se dão no formato dos videogames: em fases. Há a fase da sedução, do isolamento, da tortura e do assassinato. Uma fase leva à outra. E enquanto o assassinato não se realiza, o assassino se diverte. Podemos dizer que o feminicídio é um crime recreacional. O matador de mulheres se diverte, enquanto tortura por anos, a sua vítima. Entender esse mecanismo foi fundamental para que eu construísse a minha fábula. E o meu sonho. Porque, apesar de usar essa realidade, meu romance fala também sobre a busca da liberdade.

Falar de casos tão pesados no decorrer do livro te ajudou a dar o tom sério e chocante que esse assunto precisa?

O romance, embora aborde questões pesadas, tem muita poesia, e muito humor também. Porque nós, mulheres não abrimos mão dessas armas. Há uma parte do romance em que minha protagonista, forma com as amazonas da floresta, uma sociedade imaginária, vingadora, que vai atrás desses assassinos misóginos que escaparam da justiça, para um acerto de contas. É a parte poética, e bem humorada do romance.