Linchamento virtual é condenado

Por Vítor d'Avila

Especialista afirma que fraudadores do sistema de cotas somente devem ser 'atacados' na forma da lei

Nas últimas semanas, perfis nas redes sociais expuseram casos de estudantes que supostamente fraudaram o sistema de cotas para obter vagas em universidades públicas. Os casos mais comuns eram de alunos brancos que se autodeclaravam negros, pardos ou indígenas.

A divulgação provocou uma onda de ofensas aos suspeitos, prática conhecida como linchamento virtual. Para o professor da UFF e diretor do Departamento de Direito Processual, Ozeas Lopes Filho, isso mostra uma "tendência inquisitiva" na personalidade brasileira, e defende que responsáveis por fraudes devam ser "atacados", mas de acordo com a lei.

"Se alguém diver algum tipo de responsabilidade deve ser coibida essa prática, na forma da lei. Se alguém está fraudando cota deve ser 'atacado', mas através de uma ação. O que não deve ser usado é essa prática de destruir a imagem das pessoas. A sociedade brasileira ainda tem uma tendência muito inquisitiva. Existe essa conduta de que primeiro a gente acusa, depois que a pessoa prove a inocência, sem dar direito ao contraditório" , afirmou o professor.

As manifestações pela internet não ficam restritas às denúncias de fraudes no sistema de cotas. Recentemente, dois casos em Niterói provocaram reações nas redes sociais: uma denúncia feita em maio deste ano, sobre um estupro contra uma jovem de 14 anos, que teria sido cometido por um homem de 19; e uma lista com suspeitos de assediar mulheres, divulgada em fevereiro de 2020. Ambos os casos seguem sendo investigados sob sigilo pela Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) de Niterói.

Garantias constitucionais - Lopes prega que deve-se tomar muito cuidado ao divulgar informações pela internet, pois com o avanço da tecnologia, não existe mais distinção entre o mundo virtual e o mundo real. De acordo com o professor, a Constituição garante que todos são inocentes até que se prove o contrário, mediante todo o devido processo legal, mas nas redes sociais esse trâmite não é seguido.

"Temos a questão das cotas, da violência doméstica, dos professores, negócios fraudados. Já vi pessoas sendo expostas por supostamente estarem devendo dinheiro. A primeira coisa que a gente tem que ter em mente é que não existem mais duas realidades, de dentro e de fora da internet. A internet está junto com a vida real", disse.

O professor ainda ressalta que o Estado Democrático de Direito prevê que aqueles que cometam ilegalidades sejam julgados e punidos, seguindo os trâmites legais. Ele ainda ressalta que o mundo virtual não é um universo paralelo e todas as normas existentes também devem ser aplicadas por lá.

"O estado democrático de direito é exatamente isso: na forma da lei, tudo pode ser feito. Quando você sai da lei há abuso e ilegalidade, e isso é um grande problema. O campo virtual não é um mundo paralelo, e essas normas existem. É improtante a gente chamar atenção que todas essas pessoas [suspeitos de fraudes] têm direito à dignidade, honra, preservação da imagem. Elas devem ser protegidas de qualquer abalo à sua honra e dignidade, segundo o Artigo I da Constituição Federal", pontuou.

Ozeas Lopes Filho completa afirmando que a Constituição repudia comportamentos que venham a ferir a honra e dignidade de quaisquer pessoas. "No campo constitucional, a sociedade brasileira diz não a esse tipo de comportamento. Têm normas cíveis e penais que buscam coibir esse dano material e moral. Há apoio legal para isso tudo, o mundo da internet não é um mundo diferente", concluiu o professor.

Andifes se manifesta - A Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) divulgou, no dia 7 de junho, uma nota na qual defende o sistema de cotas, além de repudiar possíveis tentativas de fraude.

"Essa política vem possibilitando inclusão e acesso às universidades a segmentos da população socialmente discriminados. As instituições promovem ademais ações de acolhimento, atenção e apoio aos estudantes em suas necessidades, em seu aproveitamento acadêmico e no enriquecimento de sua experiência na universidade, visando a garantir sua permanência e o benefício de seu talento até a conclusão do curso escolhido. A Andifes repudia, portanto, as fraudes praticadas contra o sistema de cotas, que usurpam a oportunidade de acesso à vida universitária a quem teria esse direito", diz a nota.

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