João Pedro: testemunhas negam presença de criminosos no momento em que jovem foi baleado

Por Vítor d'Avila

Defensoria Pública irá pedir adiamento de reconstituição

Depoimentos de testemunhas da morte do jovem João Pedro Matos Pinto contestam a versão de que havia criminosos armados na casa, no momento em que o adolescente foi baleado. Cinco jovens, sendo quatro menores e um maior, que estavam no imóvel, prestaram depoimentos, ao longo da semana, ao Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ).

A informação foi passada durante entrevista coletiva da Defensoria Pública do Estado (DPRJ), responsável pela assistência jurídica da família do rapaz, na manhã desta quinta-feira (4). O órgão também afirmou que irá tentar adiar realização da reconstituição, marcada pela Polícia Civil para para a próxima terça-feira (9), sob argumento de que ainda há diligências a serem realizadas.

"Inicialmente foram divulgadas algumas versões com base no depoimento de policiais, mas nenhum dos jovens relatou ter visto pessoas armadas dentro da casa que não fossem policiais", relatou o defensor público Daniel Osório, subcoordenador do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da DPRJ.

De acordo com a defensora Livia Casseres, há elementos técnicos que colocam em dúvida a narrativa dos policiais que participaram da ação, que relataram um suposto confronto com criminosos, além do depoimento dos jovens. Entre eles está o material apreendido na ação, atribuído a criminosos que teriam confrontado os agentes.

“Além de tudo que a gente ouviu essa semana por parte dos adolescentes, que corroboram que não viram criminosos nessa residência e não houve confronto armado, existem elementos de prova material que nos levam a questionar essa primeira narrativa dos policiais. Todo o material entregue pelos policiais como pertencentes a criminosos se resumem a três estojos de munição, uma pistola e alguns cartuchos íntegros”, disse.

Em relação à reconstituição, marcada pela Delegacia de Homicídios (DH) de Niterói para a próxima terça-feira (9). A Defensoria Pública afirmou que recebeu um prazo até sexta-feira (5) para se manifestar e informou que irá recorrer da realização, por entender que há outras etapas da investigação que precisam ser realizadas antes.

“Na nossa opinião é precipitado realizar essa reprodução simulada já na semana que vem. O laudo de confronto balístico está sendo elaborado e ainda não ficou pronto. Realizar a reconstituição semana que vem iria mobilizar todo um aparato policial e a Defensoria fez um pedido no Supremo para suspender operações policiais nesse período de pandemia. Nossa posição é pelo adiamento", pontuou Daniel Osório.

A Defensoria defende que os três policiais da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), investigados pelo envolvimento na morte de João, deveriam ser ouvidos pelo Ministério Público. Segundo a defensora Carla Vianna, as declarações são fundamentais para que aconteça a reconstituição.

“O depoimento dos policiais ainda não está marcado, os depoimentos seriam conduzidos pelo Ministério Público e eles são essenciais para que possa haver uma reprodução simulada. Por uma questão de lógica eles demonstrariam o que teria acontecido para depois fazer o registro. Se o que se busca numa investigação é a apuração dos fatos, existe um caminho lógico a ser traçado e nesse ponto entendemos que antes de qualquer coisa é preciso que o MP ouça esses policiais para que haja um parâmetro”, disse a defensora.

Controvérsia em depoimento de jovem

O depoimento de uma jovem de 15 anos é um dos pontos de controvérsia entre a Defensoria e a Polícia Civil na investigação. A menina, que é filha da proprietária da casa onde vivem os tios de João, local onde aconteceu o crime, teria sido levada num veículo blindado para prestar depoimento, sem a presença de seus pais, com a tia de João Pedro sendo nomeada como sua representante legal, o que, de acordo com Osório, foi um procedimento incorreto.

"O delegado levou essa amiga, de apenas 15 anos, para prestar depoimento, e nomeou como representante legal a dona Edisséia (tia de João), mesmo sem ter poderes para tal. Elas foram levadas direto no caveirão para depor. Essa menina jamais disse que houve criminosos armados pela casa, e a dona Edisséia confirmou que ela jamais disse isso", afirmou o defensor.

Já Carla Vianna afirma que a condução pelos policiais para que a garota prestasse depoimento não foi correta, pois ela poderia ir à DH de Niterói por meios próprios e com a presença de seus pais. A defensora também afirma que este depoimento, por ter sido colhido de forma irregular, não deveria ser considerado.

“A jovem poderia ter ido depor por meios próprios. O primeiro depoimento, produzido de forma irregular, não deveria ter qualquer valor. O depoimento que ela prestou depois (ao MP) suplanta o primeiro”, afirmou Carla. Cabe ressaltar que o MP também ouviu o pai de João Pedro, Neilton e a tia, Denise, que estavam trabalhando próximo ao local do crime, em um quiosque na Praia da Luz, além da própria Edisséia.

Socorro a João Pedro

Outro ponto levantado pelos defensores foi o socorro a João Pedro, que, após ser baleado, foi levado à uma unidade do Corpo de Bombeiros na Lagoa, Zona Sul do Rio de Janeiro, e, ao ter o óbito constatado, o corpo foi conduzido ao IML de São Gonçalo. Do momento do socorro até a família encontrar o corpo do jovem, se passaram cerca de 17 horas sem notícias sobre o paradeiro.

Para Livia Casseres, o fato de o adolescente ter sido atingido por um tiro de fuzil calibre 5.56 é um elemento indicador para que João já estivesse morto quando foi socorrido. "É uma arma com potencial de destruição enorme. esse projétil atingiu órgãos vitais perfurando pulmão e coração. É um forte elemento de prova a ser considerado. Ele provavelmente não sobreviveu mais do que alguns segundos e nos causa perplexidade dessa vítima ter sido removida", afirmou.

Fake news

A Defensoria Pública também se manifestou sobre produção de notícias falsas que atentam à memória de João Pedro. Foram localizadas pelo menos três publicações em redes sociais que associam o nome do jovem à foto de outro adolescente, portando um fuzil. Segundo Daniel Osório, os responsáveis serão identificados.

"Localizamos perfis de pessoas, com condições sociais privilegiadas, que estão compartilhando isso. Expedimos ofício à Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI), vamos solicitar à rede social a retirada ao conteúdo e vamos representar ao MPRJ contra essas pessoas", afirmou o defensor.

Quebra da cadeia de custódia

Para os defensores, o fato de policiais da Core terem recolhido granadas que estavam no local para a realização da perícia, representa uma quebra da cadeia de custódia. “A granada foi recolhida pelos próprios envolvidos, apresentada à DH no mesmo dia do fato e o delegado responsável entregou para um dos policiais envolvidos, que foi o responsável a custodiar as provas do delito em que ele é investigado, quebrando a cadeia de custódia”, disse Livia Casseres.

Por fim, os defensores insistiram no fato da necessidade de haver uma investigação realizada por um órgão neutro, no caso o Ministério Público, visto que policiais civis são investigados. A Polícia Civil foi procurada para comentar as declarações dadas durante a coletiva mas, até o fechamento desta matéria, não havia respondido.

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