Saudável, mas nem tanto

Romulo Jogaib defende a preocupação com a alimentação, apesar do seu caráter social - Foto: Lucas Benevides

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Romulo Jogaib defende a preocupação com a alimentação, apesar do seu caráter social

Foto:Lucas Benevides
“Alimentação saudável”. Duas palavras que, de tão repetidas, já parecem um mantra, tendo se transformado em um estilo de vida presente e estimulado a todo o tempo. Não que isso não seja extremamente importante, mas o problema é que toda a massificação dessa ideia, somada à condenação de certos alimentos, também tem transformado o que deveria ser um hábito desejável em um transtorno mental. Uma obsessão que oferece riscos à saúde e atende pelo nome de ortorexia nervosa.

Apesar dos avanços, ainda existem transtornos alimentares não reconhecidos necessitando de melhor compreensão, dentre os quais encontra-se a ortorexia nervosa. Este novo distúrbio se diferencia dos demais não pela atribuição de importância ao corpo magro, mas pela obsessão direcionada à qualidade dos alimentos.

Segundo a vice-presidente do Conselho Regional de Nutricionistas (CRN-4), Luana Aquino, na busca pela “pureza alimentar”, os indivíduos com comportamento ortoréxico podem se tornar muito seletivos em relação aos alimentos que escolhem. Dessa forma, acabam optando por condutas alimentares cada vez mais restritivas, que podem levar à carência de determinados nutrientes.

“O indivíduo acometido por ortorexia apresenta preocupação exacerbada com sua saúde, incluindo a fixação por saúde alimentar, qualidade dos alimentos e pureza da dieta, transformando sua alimentação em um ritual, no qual dispensa tempo excessivo no preparo e escolha. Este hábito alimentar alterado não é transitório, e conduz a prejuízos clínicos e sociais, pois, além da restrição alimentar, o indivíduo se isola por medo de sair da dieta. Os sintomas apresentados no quadro ortoréxico indicam relação próxima com o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)”, revela Aquino.

Preocupada com a alimentação desde a adolescência, a empresária Thais Cavalcanti, de 24 anos, sentiu na pele os prejuízos que ocorrem quando os bons hábitos se tornam obsessão.

“Percebi que estava passando do limite quando fiquei meses sem comer nada fora do planejamento, treinando quase todos os dias por 2 horas. Fiz um exame de sangue e meu colesterol ruim e total deram alterados, com um nível alto, que nunca havia tido. A única explicação dada por um profissional na época foi que havia alterado por conta do cortisol, ou seja, o estresse que aquele processo de muita restrição estava desenvolvendo em mim. Mas não conhecia a ortorexia, não sabia que existia um nome para isso”, lembra a empresária.

Thaís Cavalcanti admite ter perdido o limite nas privações alimentares

Foto:Lucas Benevides
Além de estar em equilíbrio com a comida e a balança, hoje Thais também trabalha com alimentos. Ela trocou a engenharia ambiental, sua formação, para empreender diretamente com a alimentação saudável. Já possui até sua própria marca, a ThaFit Alimentação Saudável.

“Hoje, consigo visualizar meus exageros, como parar de comer fruta por achar que a frutose iria me engordar. Não querer tomar vitamina C porque tinha açúcar na composição ou, no caminho para cinema, comer no carro ovo com carne para não sentir vontade de comer pipoca. Muita restrição pode levar à compulsão”, lembra a empreendedora.

Passar a se alimentar de uma forma muito diferente das diretrizes permeadas na população por conta própria, ou seguindo alguma influência que não seja de profissionais da área, é um risco à saúde, alerta Francisco Tostes, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

“A exclusão de um determinado grupo alimentar tem que obedecer alguma questão individual, ou seja, uma peculiaridade ou problema que aquela pessoa apresente, com diagnóstico de um profissional de saúde. Por isso, é preciso cercar-se de profissionais competentes, que avaliem exames e demandas individuais”, ensina Tostes.

De adolescente obeso a influenciador digital referência em boa forma, o médico nutrólogo Romulo Jogaib, 34 anos, defende que a preocupação com a alimentação é algo pertinente e válido nos tempos atuais.

“Eu poderia ser politicamente correto e dizer que tudo em excesso faz mal, mas, honestamente, não é o que eu penso. Fiz nutrologia porque já fui obeso e, com as tentativas de emagrecimento, aprendi o poder da alimentação para a saúde e para mudar fisicamente a composição corporal. Hoje, por causa da comida, as pessoas estão silenciosamente adoecendo. Não se trata de estética apenas”, destaca Jogaib.

Existem questões mais graves do que focar demais na alimentação, segundo Jogaib. No entanto, para ele, devemos também aproveitar melhor os momentos, afinal, comer é um ato sociável.

“Para mim, passar dos limites é atender uma jovem que já usou quatro drogas diferentes para tentar emagrecer e veio até você buscar a quinta, mas não consegue fazer dieta por mais de duas semanas. Sou uma pessoa normal, que vive em dieta a maior parte do tempo, mas me permito em momentos pontuais comer aquilo que gosto. Se vou ao shopping com minha família, sou mais permissivo, mas não fico, por exemplo, pedindo comida imprópria em casa todo dia”, destaca Romulo.

A alimentação deixa de ser saudável quando ela passa a gerar sofrimento, como quando é transformada pela busca de uma dieta perfeita. Segundo Higor Caldato, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e especialista em transtornos alimentares, mesmo a ortorexia ainda não sendo classificada como doença pelos critérios de diagnósticos da psiquiatria, já define um comportamento e uma atitude alimentar transtornada.

“Pessoas costumam desenvolver esse tipo de comportamento quando a alimentação passa a ser o objetivo central na vida delas. A preocupação não é necessariamente com o peso ou com a forma do corpo, mas com essa busca por uma dieta perfeita, o que, na verdade, não existe. Por isso, diferente desse tipo de expectativa, profissionais da área de saúde sempre vão estimular uma alimentação saudável, mas sempre algo totalmente viável”, conclui Caldato.