Meu filho não come: fazer o quê?

Para a criança, o ato de se alimentar tem que ser algo prazeroso e gratificante, para não se transformar em estresse - Foto: Fotos: Pixabay

Saúde
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De variadas formas, essa é uma das mais frequentes perguntas ouvidas nos consultórios e serviços pediátricos no Brasil e em todo o mundo. Traduz uma legítima preocupação de todas as mães que desejam ver seus filhos crescerem fortes e sadios. E isso requer uma boa alimentação.

No entanto, como entender que o ato de comer -- que deveria ser tão simples e natural -- possa transformar-se em obstáculo quase intransponível, uma fonte de angústia e preocupação que chega, às vezes, a afetar a harmonia da família inteira? Como aceitar que aquela criaturinha tão sadia, alegre e risonha, que, há apenas alguns meses, mamava avidamente no seio ou na mamadeira, dormia placidamente e depois acordava a intervalos regulares para tornar a se alimentar (como se tivesse nela embutido um despertador), agora nem queira provar a papinha que a avó preparou com tanto carinho? Como explicar tanta rebeldia, tanta ingratidão?

Para responder a essas perguntas, é fundamental conhecer e entender noções básicas de como funciona o processo da fome e do apetite. Antes, é preciso compreender que a função primordial do alimento é proporcionar prazer; é satisfazer o desejo e o impulso de se alimentar de forma agradável. Assim, logo após terminada uma refeição, sobrevém uma sensação de saciedade e de gratificação. Essa sensação de bem-estar surge antes mesmo que o alimento ingerido cumpra qualquer função nutritiva. Em condições normais, esse mecanismo funciona desde o nascimento, e, assim, persiste durante toda a vida (em um restaurante, o prazer começa já na escolha do prato).

Então, como surge o problema da recusa alimentar na infância? A resposta é uma só: quando, com a melhor das intenções, a criança é forçada a se alimentar (ainda que sutilmente -- "olha o aviãozinho..."). Em casos assim, o alimento deixa de significar prazer e gratificação, e é dado o primeiro passo para tornar-se sinônimo de estresse e aborrecimento (para todo o mundo). Esse fato, que pode ocorrer precocemente, verifica-se com maior frequência a partir do segundo semestre e explica-se pelo desconhecimento de que, com a diminuição da velocidade de crescimento, o ritmo da fome também diminui — fenômeno absolutamente normal. Um bebê, que antes se alimentava a intervalos regulares, com precisão quase matemática, passa, em torno do segundo semestre, a contentar-se com menos alimento, satisfazendo-se, às vezes, por horas intermináveis, com apenas meia refeição. O peso, que, no início, acrescia 800g ou mais por mês, agora aumenta 200 a 300g. Além disso, ele começa a desenvolver preferências por determinados alimentos, aceitando muito bem um e recusando outro. É que o impulso alimentar evolui de fome, um reflexo presente nos primeiros meses e que pode ser atendido sem maior dificuldade, para apetite, uma fome mais seletiva. Aí, a escolha do alimento, sujeita a preferências individuais, já se torna importante para satisfazer a fome.

Por outro lado, com o desenvolvimento de habilidades como engatinhar com desenvoltura e andar, o interesse pelo alimento passa a ser dividido com o fascínio pela exploração do mundo ao redor. Na realidade, o alimento, embora continue a ser uma necessidade vital, não é mais requisitado na mesma proporção em que era antes, e o aporte de calorias ingeridas em relação ao peso torna-se muito menor. Ao mesmo tempo em que se operam todas essas transformações — diminuição gradativa da velocidade de crescimento em peso e em altura, aquisição de habilidades, como engatinhar e andar, início da fala —, observam-se notáveis mudanças na esfera psicológica, com tendência cada vez maior à individualização da personalidade. Isso implica desenvolver gostos e vontades, preferências e desejo de exercitar-se por conta própria, inclusive no campo da alimentação.

Conflitos nessa área podem, a essa altura, tornar-se sérios: de um lado, um adulto transtornado (mãe, avó, babá) tentando fazer com que a criança coma (à força ou quase); do outro, a criança, que se recusa tenazmente, virando o rosto, ou trincando os dentes, ou cuspindo o alimento, ou até tendo ânsias de vômito. Um desespero!

Impõe-se resolver o problema, que seria mitigado, senão eliminado, caso fossem observadas algumas precauções, descritas a seguir.

Oferecer quantidades de alimento compatíveis com a aceitação e a capacidade de ingestão da criança. Interromper a refeição, sem insistir, assim que houver sinais de saciedade ou recusa. Jamais forçar a ingestão do alimento! Saber que, entre as crianças, existe grande variação no ritmo da aceitação das refeições. Assim, há as que poderiam ser consideradas "glutonas", e essa característica, com frequência, pode ser detectada, desde cedo, na avidez com que sugam (ou atacam) o seio materno; outras, ao contrário, assumem, desde o início, comportamento oposto. Em escala intermediária, observam-se amplas variações. Às vezes, essa disposição persiste por toda a infância; em outras, inverte-se a tendência em função do tempo, alternando-se períodos de maior ou menor aceitação alimentar.

É aconselhável que a criança participe das refeições familiares o mais precocemente possível, mesmo que ela ainda necessite de ajuda para alimentar-se.

Estimular, desde cedo, que a criança participe da própria alimentação, segurando — e usando —, por exemplo, uma colher, assim que desenvolver alguma habilidade para tanto. Certamente, isso poderá não ser muito higiênico, mas será o melhor caminho para que ela aprenda a se alimentar sozinha. Mais tarde, ela poderá ser estimulada a escolher os alimentos antes mesmo de serem preparados. Nesse sentido, não seria exagero se essa escolha abrangesse, inclusive, a ida à feira ou ao supermercado, na companhia de um adulto, para adquiri-los.