Câncer de mama: problema global

A prevenção requer um estilo de vida saudável com dieta balanceada, controle ponderal, e prática de exercícios - Foto: freepic.com

Saúde
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Verifica-se um aumento global da incidência de câncer de mama. Doença que foi sempre mais comum em países desenvolvidos, passou a ser frequentemente diagnosticada nos países latinos, asiáticos e, mesmo, africanos. Estima-se que serão diagnosticados, este ano, 2.088.000 novos casos no mundo, sendo 50% nos países de baixa e média renda; e que de cada 4 mortes por câncer de mama, 3 serão nestes países. Caracterizando o impacto da qualidade de assistência nos desfechos.

Na maioria dos países desenvolvidos, a sobrevida em cinco anos aumentou para 85%, durante o período de 2005 a 2009. Por outro lado, a sobrevida em cinco anos é menos de 70% em países como Malásia (68%), Índia (60%), Mongólia (57%) e África do Sul (53%). Na América do Sul, em particular no Brasil, a sobrevida em cinco anos aumentou no período de 2005 a 2009 para 78%.

Para o Brasil, em 2020, são esperados 66000 casos novos de câncer de mama, um a cada 11 minutos, com um risco estimado de 61 casos a cada 100 mil mulheres, sendo a maior prevalência nas regiões Sul e Sudeste. Há também um aumento em mulheres jovens.

Câncer de mama é uma doença de origem multifatorial. Estão envolvidos a predisposição genética, estilo de vida e fatores ambientais. A grande maioria dos casos (75%) não tem histórico familiar, são chamados de esporádicos. Em 5% das pacientes há mutações dos gens que conferem, a estas famílias, um risco bem elevado de desenvolvimento de novos casos.

A evolução da sociedade moderna, a industrialização e urbanização promoveram uma série de mudanças no comportamento feminino com repercussões biológicas, tais como: primeira menstruação mais precoce, menor número de gestações e mais tardias, menor tempo de amamentação, menopausa adiada. Fatores externos como agentes poluentes, anticoncepcionais e terapia de reposição hormonal na pós-menopausa, também estão relacionados com sua maior incidência.

A grande arma que dispomos para combater esta ameaça à mulher é a prevenção, o diagnóstico precoce e o acesso ao tratamento adequado. A prevenção requer um estilo de vida saudável com dieta balanceada, controle ponderal, e prática de exercícios físicos regulares.

A mamografia anual a partir dos 40 anos, ultrassonografia e, em casos selecionados, ressonância magnética, possibilitam diagnósticos cada vez mais precoces, determinando tratamentos conservadores com preservação da mama, cirurgias oncoplásticas, e consequentemente, melhores resultados estéticos e com maiores chances de cura. O diagnóstico tardio do câncer de mama leva a tratamentos mutiladores, onerosos e com resultados precários, levando muitas mulheres à morte precoce evitável, deixando em suas famílias, um vazio irreparável.

As estratégias para redução do risco de câncer de mama têm sido cada vez mais estudadas, principalmente para o grupo de mulheres consideradas de alto risco.

Os principais fatores de risco são: fatores genéticos e familiares, história reprodutiva, estilo de vida, mamas densas, irradiação prévia da parede torácica antes do 30 anos e/ou biópsia mamárias com diagnóstico de hiperplasia atípica ou neoplasia lobular.

As principais estratégias para redução do risco são o rastreamento, mudanças de estilo de vida, quimioprevenção e cirurgia redutora de risco.

A realização de exercícios físicos e a mudança na dieta, são os fatores mais explorados nos estudos. Nas grandes metrópoles, tem se observado maior sedentarismo e alimentação inadequada. A prática de exercícios diária, uma alimentação de baixa caloria, rica em verduras, frutas e vegetais, não fumar, não ingerir bebida alcoólica em excesso, manter-se dentro do peso ideal para sua idade, dormir bem, relaxamento e meditação são medidas simples que podem fazer toda a diferença.

Quimioprevenção é a utilização de medicamentos (agentes químicos naturais ou sintéticos) na reversão, bloqueio ou prevenção do surgimento do câncer em determinados grupos de risco. Os moduladores seletivos dos receptores estrogênicos são medicamentos que se ligam aos receptores e atuam como antagonistas estrogênicos em determinados tecidos. Medicamentos de quimioprevenção nunca devem ser usados sem a indicação de um especialista. Se utilizadas sem o conhecimento de um oncologista, os medicamentos podem ser maléficos, ao invés de benéficos para sua saúde.

Os recursos cirúrgicos para redução de risco de uma mulher desenvolver o câncer de mama são mastectomia profilática ou adenectomia.

A mastectomia profilática pode ser aplicada em três situações: mastectomia contralateral sincrônica ao tratamento do tumor primário, metacrônica, quando realizada em um segundo tempo e procedimento bilateral em mulheres de alto risco.

A mastectomia redutora de risco ou profilática é a remoção cirúrgica do tecido mamário. Vale ressaltar que nenhuma técnica de mastectomia pode garantir a remoção total da glândula mamária, devido à impossibilidade de se estabelecer os seus reais limites, já que ela apresenta muita intimidade com a pele e prolonga-se para a axila. Estima-se que a cirurgia proporcione uma redução de 90% do risco - portanto, quanto mais radical a cirurgia, maior a proteção.

O benefício da cirurgia profilática varia segundo o risco de desenvolvimento da doença: em mulheres com um risco de 40% durante a vida, a cirurgia profilática adiciona três anos de vida; naquelas em que o risco é de 85%, esse número sobe para mais de cinco anos.

O caso de parente de primeiro grau com câncer de mama, o ideal é que a mastectomia seja feita antes da paciente atingir a idade de diagnóstico deste. No entanto, os médicos recomendam a mastectomia preventiva apenas para mulheres que já tem prole constituída.

Deve ser feita uma avaliação por equipe multidisciplinar - mastologista, oncologista, cirurgião plástico, psicólogo e geneticista - para definir se há indicação para a cirurgia, saber se a paciente está preparada para um eventual resultado estético insatisfatório, definir a melhor técnica cirúrgica e melhor opção de reconstrução. É fundamental a seleção individualizada da paciente.

Mundialmente, recomenda-se que mulheres com patologias mamárias sejam tratadas em Centros de mama, onde seus casos serão decididos e acompanhadas, em todas as etapas do tratamento, por equipes multiprofissionais (mastologista, oncologista clínico, radio-oncologista, patologista, radiologista, cirurgião plástico, enfermeiras, nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogas, assistente social e farmacêuticas). Verificou-se que determinam maior agilidade, adesão ao tratamento, satisfação e produzem melhores resultados com redução da mortalidade. Nos Estados Unidos da América existem mais de 600 Centros de Mama acreditados e na Europa, desde 2018, todos os centros de mama passaram, compulsoriamente, por programas de avaliação de qualidade e certificação.

Em 2012, em Paris, a Sociedade Mundial de Mastologia, a Sociedade Europeia de Mastologia e o Consorcio Norte Americano de Centros de Mama estabeleceram uma declaração conjunta "Todas as mulheres do mundo com patologia mamária devem ter acesso a Centros de Mama dedicados, multidisciplinares, bem equipados, com programas de qualidade que promovam assistência competente e integrada". Na América Latina e, especialmente no Brasil, é urgente que Centros de Mama sejam criados nos hospitais públicos, na saúde suplementar, e que sigam critérios internacionais mínimos de qualidade, que levarão à melhores desfechos e menores custos para a sociedade.

A pandemia de Covid-19 não apenas mudou nossas rotinas diárias, mas também nos forçou a repensar a abordagem dos pacientes com câncer.

Embora os centros de mama devam continuar oferecendo cuidados, que não podem ser adiados por meses, os benefícios desses cuidados devem ser equilibrados com o risco de exposição à covid-19, tanto para pacientes, familiares como funcionários.

Para cada paciente com câncer de mama, a relação risco / benefício deve ser considerada; se o risco de adiar a cirurgia da mama confere um mínimo ou nenhum dano (definido como um impacto negativo na sobrevida), a opção de adiar a cirurgia, até a pandemia de covid-19 estar sob controle, deve ser discutida com a paciente e família.

Devemos minimizar a utilização de recursos e suprimentos médicos para procedimentos não urgentes; essa abordagem nos ajuda a manter reservas que possam ser necessárias para cuidar de pacientes afetados por COVID-19, incluindo equipamentos de proteção individual, leitos de UTI, materiais de limpeza e respiradores. Também devemos ter em mente que todas as visitas hospitalares, expõem pacientes e profissionais de saúde, ao risco de contrair covid-19.

Com base nos critérios do Colégio Americano de Cirurgiões, a complexidade de procedimentos e cirurgias eletivas para câncer de mama é de baixo risco. A recomendação é adiar a cirurgia, se possível, ou considerar realizá-la em um centro de cirurgia ambulatorial. Atualmente a maioria das pacientes operadas de câncer de mama tem alta no mesmo dia.

Felizmente, o progresso no diagnóstico e tratamento do câncer de mama nos têm oferecido opções como terapia sistêmica neoadjuvante, na forma de terapia hormonal, quimioterapia, terapia alvo anti-HER2, e, uma variedade de estratégias de reconstrução da mama. O uso racional destes recursos permite uma assistência de qualidade com segurança.

É muito importante que a sociedade através do governo, empresas privadas, ONGs e grupos de saúde promovam contínuo programa de educação comunitária e ofereçam à população condições de diagnóstico e tratamento adequado. Esta preocupação não é só humanitária, mas também econômica, considerando que aumenta cada vez mais o papel da mulher como chefe de família e participação no mercado de trabalho. n

Maurício Magalhães Costa é membro titular da Academia Nacional de Medicina e presidente da Sociedade Mundial de Mastologia