UFF e FioCruz publicam artigo sobre alterações psiquiátricas causadas pela covid-19

UFF e FioCruz publicam artigo sobre alterações psiquiátricas causadas pela covid-19 - Foto: Freepik.com

Coronavírus
Tpografia
  • Mínimo Pequeno Médio Grande Gigante
  • Fonte Padrão Helvetica Segoe Georgia Times

O novo coronavírus trouxe ao cenário científico a urgência de se criarem pesquisas capazes de desmistificar algumas de suas características e consequências. Nesse contexto, pesquisadores de Laboratórios e Núcleos de pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) desenvolveram em cooperação um projeto transdisciplinar sobre o comprometimento do sistema nervoso central frente à exposição ao SARS-CoV-2, o vírus causador da covid-19.

O artigo científico chamado “Interações imuno-psico-neuroendócrinas na covid-19: impactos potenciais na saúde mental” tem o objetivo de responder como o vírus pode levar a alterações psiquiátricas e levantar questões que possam identificar um prognóstico em termos de saúde mental após a pandemia, considerando diferentes hipóteses.

Participam dessa parceria a professora Priscilla Oliveira Silva Bomfim, coordenadora do Núcleo de Pesquisa, Ensino, Divulgação e Extensão em Neurociências (NuPEDEN/UFF), Elizabeth Giestal de Araújo e Pablo Pandolfo, ambos docentes do Programa de Pós-Graduação em Neurociências (PPGN/UFF) e o professor Wilson Savino, pesquisador e docente titular da Fiocruz. Também colaboram com o estudo o estudante de Medicina da UFF Ícaro Raony Marques dos Santos, além de Camila Saggioro de Figueiredo, doutoranda do PPGN/UFF.

O projeto é transdisciplinar e reuniu uma equipe com diferentes expertises. Priscilla Bonfim explica que a ideia surgiu a partir de conversas com os alunos envolvidos no estudo.

“No debate sobre a covid-19, foi observado que, apesar de já existirem muitas pesquisas sobre sua capacidade de devastação em relação ao sistema respiratório, haviam questões em aberto a respeito do comprometimento do sistema nervoso central. A partir dessa observação decidimos, então, reunir os estudos já realizados a fim de despertar o olhar das pessoas para o impacto do novo coronavírus na saúde mental”, relata.

As perguntas que fundamentam o trabalho desmistificam algumas questões primordiais. Primeiramente, como o vírus acessa o sistema nervoso, quais os danos prováveis a curto, médio e longo prazo e também as causas do comprometimento da saúde mental. A seguir, quais as consequências psicológicas da covid-19, considerando diferentes aspectos como economia, impacto do isolamento social, entre outros. Por fim, os possíveis efeitos colaterais de saúde mental após a pandemia.

“A abordagem transdisciplinar dessa discussão considera a relação entre alterações imunológicas observadas em pacientes com o coronavírus e o possível comprometimento do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA), incluindo o desequilíbrio na regulação do cortisol (hormônio do estresse) em relação ao desenvolvimento das manifestações psiquiátricas observadas nessas pessoas com a doença”, narra Priscila.

A pesquisadora pontua que essa reflexão gerou mais perguntas do que respostas e que várias hipóteses foram criadas sobre como esse novo vírus pode afetar a saúde mental dos indivíduos. A sensação de insegurança por si só já aciona o sistema que responde ao estresse físico ou psicológico e acentua ou atua como gatilho para o desenvolvimento de transtornos psicológicos. Para indivíduos infectados ou não, o impacto da quarentena levanta a possibilidade das pessoas desenvolverem alterações psiquiátricas depois do isolamento.

“Existe um risco verdadeiro de estarmos caminhando em direção a um prejuízo social em grande escala, pois é provável que uma pandemia de transtornos mentais como consequência da que vivemos agora aconteça. Não estamos perto do fim de tudo isso; portanto, é necessário reunir esforços para desenvolver estudos que possam mitigar essa nova crise que está por vir. Isso ajudará a criar novas estratégias para outras situações críticas que podem vir futuramente”, alerta a docente.

A mestranda Camila Saggioro declara que essa pesquisa confere direcionamentos para a realização de ensaios clínicos e estudos teóricos de base, ambos muito importantes para entender como o vírus afeta os diferentes sistemas do corpo. “Após discutir ações que possam ajudar a reduzir os danos causados pelo estresse do isolamento social, é importante e urgente orientar a população sobre a melhor maneira de lidar com a saúde mental na pandemia”.

Para Ícaro Raony, também é muito relevante propor uma reflexão à luz de fatores sociais e biológicos determinantes para o adoecimento psíquico diante da covid-19. Além disso, o estudante aponta que há muita preocupação em relação aos impactos diretos do isolamento social na economia; porém, pouca reflexão sobre os problemas econômicos associados aos transtornos psiquiátricos.

“Estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que só a depressão e a ansiedade possuem um impacto econômico global de um bilhão de dólares por ano. Esses dados trazem um alerta, uma vez associados às evidências científicas que indicam o Brasil como o país ‘mais ansioso’ do mundo, e que tanto o isolamento social quanto a covid-19 podem desencadear ou exacerbar transtornos de ansiedade e depressão. O estudo propõe medidas que podem impactar positivamente não apenas no bem-estar individual, como na sociedade e na economia”, destaca Raoni.

Por fim, a professora Priscilla destaca ser preciso que as autoridades deem atenção à saúde mental dos cidadãos, para prevenir e tratar as questões dessa área adequadamente, mesmo após a alta hospitalar do paciente infectado.

“Se a população for acompanhada de perto a longo prazo, será possível gerar dados que apontem o quão devastadora uma pandemia pode ser psicologicamente. Cientistas do mundo todo também estão trabalhando para responder essa pergunta, mas é preciso que o resultado vá além e chegue nas entidades competentes para guiá-las na elaboração de políticas públicas. Ao fazer a sociedade voltar o olhar para esse tema, o projeto foi bem-sucedido. Assim, a ciência cumpre seu papel em prol do desenvolvimento social do país”, conclui.