Niède Guidon, a arqueóloga que reescreveu a pré-história das Américas, morre aos 92 anos

Imagem Gazeta Rio/Ricardo Bernardes - Foto: Ricardo Bernardes

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A arqueóloga franco-brasileira Niède Guidon, uma das figuras mais influentes da ciência no Brasil, faleceu no dia 4 de junho de 2025, aos 92 anos. Nascida em Jaú, no interior de São Paulo, em 12 de março de 1933, Guidon construiu uma trajetória marcada pela ousadia intelectual, pela dedicação à preservação do patrimônio arqueológico e por um compromisso inabalável com a ciência.
Formada em História pela Universidade de São Paulo (USP) em 1959, ela seguiu carreira acadêmica internacional e concluiu seu doutorado em Pré-história pela Universidade de Paris em 1975. Ainda nos anos 1970, retornou ao Brasil para realizar pesquisas de campo no semiárido piauiense, onde uma descoberta extraordinária mudaria para sempre o entendimento sobre a ocupação humana nas Américas.
Ao explorar as cavernas e paredões rochosos de São Raimundo Nonato, no Parque Nacional da Serra da Capivara, Guidon identificou pinturas rupestres e vestígios arqueológicos que apontavam para a presença humana na região há mais de 30 mil anos — um dado que confrontava diretamente a teoria tradicional segundo a qual os primeiros povos teriam chegado ao continente pelo Estreito de Bering há cerca de 13 mil anos.
A arqueóloga não apenas enfrentou o ceticismo da comunidade científica internacional, como também lutou contra o descaso das autoridades brasileiras em relação à preservação do sítio arqueológico. Para proteger esse patrimônio e promover sua pesquisa, fundou a Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM), uma instituição dedicada à conservação, à pesquisa científica e à educação.
Graças a sua atuação incansável, o Parque Nacional da Serra da Capivara foi reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO em 1991. Mesmo enfrentando desafios estruturais e orçamentários durante décadas, a região tornou-se um dos principais polos de arqueologia do continente.
Ao longo de sua carreira, Niède Guidon recebeu diversas honrarias. Foi condecorada com a Ordem Nacional do Mérito Científico pelo governo brasileiro e recebeu o Prêmio Príncipe Claus, concedido pelo governo da Holanda, entre outras distinções internacionais que reconheceram sua contribuição à ciência e à cultura.
Mais do que uma pesquisadora de destaque, Guidon foi uma visionária que abriu caminho para novas interpretações sobre o passado da humanidade no continente americano. Seu legado permanece vivo nas trilhas da Serra da Capivara, nas instituições que ajudou a fundar e nas pesquisas que continuam a explorar os mistérios da pré-história brasileira.
Por Gazeta Rio/Ricardo Bernardes