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Casal ultrarreligioso que negou socorro médico à filha é condenado por feminicídio e abuso infantil

Por Denise Emanuele Paz Carvalho

LANSING, Michigan (11/06/2025) — O casal Joshua e Rachel Piland, membros de uma comunidade religiosa conservadora que valoriza a “cura pela fé” em detrimento da medicina, foi condenado nesta quarta-feira ao homicídio em segundo grau e abuso infantil em primeiro grau, pela morte da filha Abigail

A bebê nasceu em casa, em 6 de fevereiro de 2017, assistida apenas por uma parteira. No dia seguinte, a profissional constatou icterícia e recomendou atendimento hospitalar — orientação ignorada pelos pais, que alegaram que “Deus não comete erros” e que a fé seria suficiente
Abigail faleceu aos três dias de vida, vítima de bilirrubina elevada e danos cerebrais.

No decorrer do caso, descobriu-se que o casal mantém a convicção de que “só Deus pode resolver questões médicas graves”. Após a morte, rezaram por um milagre de ressurreição e só chamaram as autoridades horas depois

Eles já haviam sido condenados por homicídio culposo em 2019. Agora, a reabertura do processo e o acréscimo da acusação de abuso infantil refletem preocupação do júri com risco à integridade de outras crianças . A pena prevista é de 20 a 45 anos de prisão. Os outros filhos do casal foram removidos pela proteção infantil; nas gestações posteriores, os bebês foram retidos imediatamente após o parto

Movimentos religiosos semelhantes e casos comparativos
Nos Estados Unidos, há diversos grupos que praticam o “faith healing” (cura pela fé), geralmente em comunidades pentecostais ou cristãs fundamentalistas:

Followers of Christ (Oregon/Idaho): são conhecidos por evitar tratamentos médicos. Em 2011, Timothy e Rebecca Wyland foram condenados por "criminal mistreatment" após recusarem atendimento para a filha com um tumor, deixando-a quase cega. Receberam 90 dias de prisão e 3 anos de liberdade condicional
Casos graves de morte por doenças evitáveis levaram o estado de Oregon a revogar, em 1999, isenções legais que protegiam pais por motivo religioso

Herbert e Catherine Schaible (Pennsylvania): perderam involuntariamente o filho de 7 meses por pneumonia e desidratação em 2009. Foram condenados por involuntary manslaughter e child endangerment, recebendo 3 a 7 anos de prisão

Dale e Leilani Neumann (Wisconsin): em 2008, deixaram sua filha de 11 anos morrer por complicações de diabetes, apostando na fé em lugar de tratamento médico. Foram condenados por homicídio culposo e receberam penas leves — prisão mensal por seis anos, com liberdade condicional, em razão de leis que ainda protegem “cura pela fé”

Blair e Taylor Edwards (Oregon): em 2023, rezaram enquanto seu filho recémnascido desenvolvia icterícia e faleceu dois dias depois. Integrantes do Followers of Christ, são acusados de crime de maus-tratos infantis

Contexto legal e repercussão
A Wisconsin Supreme Court decidiu em 2013 que imunidade religiosa não protege pais que ignoram risco óbvio à vida dos filhos, mesmo havendo isenção parcial para abusos .

Vários estados mantêm brechas por crença, mas organizações como Children’s Healthcare is a Legal Duty (CHILD) pressionam pela eliminação dessas exceções

A American Academy of Pediatrics e o AMA defendem que a religião não exonera pais de buscar tratamento médico para crianças

Repercussão na mídia e no debate público
O caso se soma a uma crescente crítica à cura pela fé como justificativa legal. Veículos como People, AP, BBC, Religion Dispatches e Daily Beast destacam a pressão crescente para que a sociedade proteja crianças da negligência religiosa

Redes sociais estão debatendo a ética dessas práticas, citando até passagens bíblicas que valorizam a medicina, como Sirach 38:115, que diz: “Honra os médicos, pois o Senhor os criou”
Conclusão
O veredicto contra os Piland reforça uma tendência clara: o direito à crença religiosa não pode se sobrepor à proteção infantil. Casos similares em diversas regiões dos EUA mostram que o uso da fé como justificativa legal está cada vez mais limitado, com leis e jurisprudências reconhecendo que crianças não devem pagar com a vida as convicções dos pais.

A repercussão intensa revela que, na balança entre religião e ciência, prevalece o direito à vida e ao cuidado médico, mesmo quando convicções religiosas são profundas.

Por Gazeta Rio

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