Guillain-Barré: Huap lotado preocupa médico

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Hospital Universitário Antônio Pedro

Foto: Arquivo

Kelly Krishna Rios

Fraqueza muscular, dor forte nas articulações e dormência nos membros inferiores que evolui para os superiores e face. Esses sãos sintomas clássicos da síndrome de Guillain-Barré (SGB), que se tornou mais frequente com o surto de Zika e já pode ser classificada como epidemia. Médicos neurologistas e infectologistas estão estudando a relação entre as duas doenças, mas o que mais preocupa os pesquisadores e assusta os moradores de Niterói – no momento – é o aumento do número de casos e a gravidade deles na cidade. Mas apesar do crescimento do número de pacientes com a SGB, o neurologista e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Osvaldo Nascimento acredita que parte desse diagnóstico é errado. Para ele, falta experiência na sintomatologia desta síndrome nos clínicos gerais e ocorre histeria, que faz algumas pessoas desenvolverem um quadro sintomático, mas sem a presença da inflamação. 

“Os médicos que atendem os pacientes na ponta não têm experiência com a Guillain-Barré, já que ela é – ou era – uma doença rara. Por isso, precisamos qualificar os colegas e criar um hospital sentinela para que eles possam pedir apoio e ajuda em caso de dúvidas ou dificuldade em confirmar o prognóstico deles”, disse Nascimento. 

Outra preocupação do médico é a falta de estrutura do Hospital Universitário Antonio Pedro (Huap), em Niterói, para atender os pacientes neurológicos. 

“O Huap está lotado, precisamos de mais leitos e de mais médicos para conseguir atender a demanda. Temos uma emergência bem equipada e ótimos profissionais, mas não conseguem dar conta de tudo com a unidade trabalhando em sua capacidade máxima. Recebemos muitos pacientes de outras cidades”, lamentou o médico. 

A informação de lotação limite do Huap é confirmada por uma paciente que foi atendida na unidade. Já a assessoria do hospital alega que não pode dar essa informação. 

A história dessa moça, de 29 anos, atendida no Huap é recheada de provas do mau preparo dos profissionais de saúde. Celimar Oliveira teve a infecção por Zika vírus confirmada em dezembro de 2015. Moradora de Neves, em São Gonçalo, ela passou por hospitais particulares até que – quarenta e dois dias depois – foi diagnosticada com Guillain-Barré e orientada a procurar ajuda no Hospital Universitário Antonio Pedro. Após exames que comprovaram a doença neurológica, ela foi internada. 

“Eu sentia muita dor nas costas e meus pés estavam dormentes, já tinha rodado vários hospitais particulares e não recebia respostas. Até que um médico suspeitou e me encaminhou para o Antonio Pedro. Lá eu recebi tratamento e orientações”, contou a jovem que chegou a ter paralisia facial. 

O tratamento de Celimar foi feito com doses de imununoglobulina, remédio que é muito caro e está sendo administrado para pacientes de SGB. O processo parece com uma sessão de hemodiálise manual. O plasma infectado é retirado do paciente e uma nova bolsa de plasma é injetada no portador da doença. O plasma, retido de doações de sangue, é rico em imunoglobulina. 

“Na primeira sessão de terapia eu já me sentia melhor. As dores e a dormência passaram e eu não senti mais nada“, revelou Celimar, que fez quatro sessões de tratamento e recebe um acompanhamento semanal na unidade. 

Como a paralisia é um dos sinais mais marcantes da SGB, para auxiliar a recuperação dos pacientes é preciso a ajuda de profissionais de fisioterapia que fazem o acompanhamento do paciente. 

Outra característica dos casos de SGB e encefalites e encefalomielites pós-Zika é a intensificação dos sintomas. 

“Estão surgindo outras neuropatias após os sintomas de Zika, algumas inflamações do cérebro, da medula e cerebelo que não são Guillain-Barré, e os sintomas são mais fortes e a evolução é mais rápida. Temos pacientes que em 24h já estão sem o movimento da cintura para baixo”, alertou o pesquisador que participa de um grupo no WhatsApp, que possui outros neurologistas, para discutir os casos que recebem em seus consultórios. 

Sobre a cura da doença, o neurologista afirmou que 80% dos pacientes voltam a ter as funções motoras normais, 15% têm lesões graves e podem ter sequelas e 5% dos pacientes morrem por parada respiratória. 

“Temos casos muito graves, como o rapaz que está internado no respirador no Huap, mas a maioria dos pacientes melhora 100%”, contou Osvaldo. 

Mesmo depois de tratamento e melhora clínica, algumas pessoas alegam que continuam sentindo os sintomas da Zika e da Guillain-Barré, mesmo com alta médica e confirmação do fim da fase aguda da doença. Alguns estudos sobre essa continuidade dos sintomas estão sendo realizados e ainda não existe uma posição oficial. Mas para Nascimento é um caso crônico, em que os pacientes já possuem alguma neuropatia de membros e por isso as dores voltam a aparecer com frequência.

Contudo, alguns pacientes – de quadros leves – acabam tendo sua cura confirmada mesmo sem tratamento médico ou injeções de imunoglobulina. 

Dr. Osvaldo Nascimento, neurologista e pesquisador da UFF, alerta para os sintomas mais graves da Guillain-Barré

Foto: André Redlich

O médico fez um alerta importante para todos. “É preciso tomar cuidado e não criar mosquitos, eles são os principais transmissores de doenças. O Aedes aegypti, por exemplo, no Rio de janeiro, hoje, é o vetor de três doenças: a dengue, a Zika e a chikungunya. Não dá para dar mole para esses insetos”, ressaltou o especialista. 

Com a possibilidade de novos vírus entrarem no Brasil no período de Olimpíadas, o neurologista não fez alarde, mas explicou que a facilidade de viajar de um lugar para o outro já se responsabiliza por disseminar esses vírus, e não apenas em épocas de grande fluxo nas cidades. 

“Podemos ser picados por um mosquito nos Estados Unidos e trazer esse vírus para Niterói. Isso com ou sem Copa e Olimpíadas”. Descoberta há 100 anos, a Guillain-Barré é uma neuropatia de paralisia flácida, o paciente fica mole. E o surgimento dela pode acontecer em qualquer paciente que tenha uma mudança no quadro imunológico. De acordo com o médico, pode ser diagnosticada após uma gripe ou uma cirurgia, por exemplo, situações que deixam a imunidade do paciente mais frágil. Os sintomas principais são fraqueza e paralisia dos músculos, que podem deixar braços e pernas sem condições de movimentação. Quando o sistema respiratório é comprometido, o paciente pode chegar a morte, caso não seja atendido a tempo. 

Desde janeiro de 2016 foram registrados 21 casos de Guillain-Barré e outras síndromes neurológicas agudas, em Niterói. A Prefeitura de Niterói confirmou 14 alertas. Já o Huap informou, em nota, o diagnóstico de 12 pacientes, cinco deles já foram contabilizados pela prefeitura. Desses pacientes, oito moram na cidade. O boletim epidemiológico da Secretaria Estadual de Saúde, divulgado em 18 de fevereiro, cita que até agora foram 43 casos no Rio de Janeiro. 

Pacientes têm dificuldade de encontrar exames de Guillain-Barré

O difícil diagnóstico da síndrome de Guillain-Barré passa pela análise clínica dos sintomas informados pelos pacientes e vai até os números dos dois exames que “cravam” resultado, o teste de liquor, que mede a quantidade de proteína no líquido que envolve a medula, feita através de uma pulsão lombar, e a eletroneuromiografia, que faz um teste de condução nervosa sensitiva e motora, ou seja, vê como o nervo motor reage a impulsos. Mas esses exames não são fáceis de encontrar. De acordo com a prefeitura de Niterói, na cidade apenas o Hospital Universitário Antonio Pedro oferece o serviço na rede pública. 

Segundo as explicações do médico neurologista e pesquisador da UFF Osvaldo Nascimento, que faz uma estudo direcionado aos casos de Guillain-Barré, essas testagens são essenciais para um diagnóstico preciso. 

“São exames importantes, mas poucos hospitais oferecem. Os exames poderiam ser centralizados, mas o atendimento deveria ser feito em todos os hospitais. Direcionar os casos para um só lugar sobrecarrega a unidade”, disse Osvaldo Nascimento. 

Celimar Oliveira, que passou por esses exames para confirmar a doença e que precisou repeti-los várias vezes enquanto ficou internada conta que o procedimento é muito incômodo e, às vezes, dolorido. 

“É dada uma anestesia local, mas às vezes sentimos os movimentos. Não é um exame fácil de fazer, preciso ficar imóvel para não atrapalhar o processo, mas só no Huap eu consegui ser examinada”, contou a desempregada, que faz esse teste semanalmente para acompanhamento.

E mesmo com o desconforto de ter uma agulha enfiada na sua coluna para colher amostras de liquor e ver seu corpo ser estimulado para reagir, Celimar, reforça que apenas depois desses exames seu diagnóstico foi confirmado e ela parou de vagar de um hospital para o outro.

Em nota a Secretaria Estadual de Saúde divulgou que a Subsecretaria de Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado de Saúde informa que a síndrome de Guillain-Barré é diagnosticada por meio de exame clínico.

Mas Osvaldo Nascimento insistiu na importância dos exames que podem evitar que muitos pacientes sejam medicados de forma incorreta. E reforçou que um atendimento rápido e preciso pode salvar muitas vidas e evitar que os pacientes tenham sequelas da doença neurológica. 

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