Coluna Sem Juridiquês: Ah vai, Cristiane, vai!

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Muitos duvidaram que a decisão do juiz Leonardo Couceiro, da 4ª Vara Federal de Niterói, não se sustentaria por muito tempo. Muitos disseram que o magistrado havia conquistado seus 15 minutos de fama e que a Advocacia Geral da União (AGU) cassaria a decisão em horas. O planalto sequer desmarcou a cerimônia de posse, na certeza de que o Tribunal Federal Regional da 2ª Região não permitiria que a escolha do Presidente da República fosse embaraçada pelo Judiciário. Ledo engano.

Duas questões merecem ser destacadas no imbróglio jurídico que envolve a nomeação da filha de Roberto Jeferson, importante aliado de Temer, que vem fazendo qualquer coisa por votos no Congresso Nacional para aprovar a reforma da Previdência (O PTB faz parte de um bloco com 26 votos na Câmara dos Deputados) como Ministra do Trabalho.

Em primeiro lugar, deve ser destacada a iniciativa popular que provocou o Judiciário para barrar a manobra política do Presidente da República. Louvável, ainda, a possibilidade de mudança de entendimento por parte do Judiciário que, até bem pouco tempo, não se imiscuía nas decisões políticas adotadas pelo Executivo. Corajosa decisão, diga-se de passagem. De nada adiantará a possibilidade de acesso ao Judiciário, se os juízes se esconderem de questões polêmicas.

A ação popular, proposta por advogados trabalhistas indignados com o deboche do Presidente que nomeou para Ministra do Trabalho, justamente uma pessoa que responde a ações trabalhistas e tem duas condenações na Justiça do Trabalho por não ter assinado a carteira de trabalho de dois empregados que lhe serviram, mostra que esse instrumento processual democrático não pode ser esquecido. Presente em nossa legislação desde 1965, a ação popular permite a qualquer cidadão provocar o Judiciário para combater atos de ilegalidade cometidos por ocupantes de cargos públicos, políticos ou não, sempre que for vislumbrado risco de dano aos cofres públicos.

O tempo está passando e o Judiciário vem demonstrando que a vontade do Chefe do Poder Executivo, como de qualquer administrador, não pode ser desvinculada de determinados critérios estabelecidos pela Constituição e pela lei. Até agora, não prevaleceu a lógica comum do “vale tudo” ou “a caneta é minha e aqui mando eu”.

O principal fundamento da respeitada e, até agora, mantida decisão que impediu a posse da herdeira política de Roberto Jeferson, reside na questão da moralidade. Princípio há muito tempo presente em nosso ordenamento jurídico e que anda abandonado na prática pelos políticos e, porque não dizer, parcela da população brasileira que preocupa-se apenas em levar vantagem, ainda que ao arrepio das leis.

Se a atuação do administrador público deve ser moralmente admitida, cabe ao Judiciário, sim, dizer, caso a caso, qual o seu entendimento. No caso de Cristiane, ainda que respeitadas opiniões já tenham apontado como exagerada e descabida intervenção do Judiciário, ficou para muitos o alerta de que podemos viver novos tempos, em que a população e o Judiciário (por enquanto) não ficarão mais deitados em berço esplêndido e exigirão mais honestidade no trato e no uso da coisa pública.

Em breve, a queda de braço chegará ao Supremo Tribunal Federal (STF) que dará o veredito final para o caso. Independente da opinião pública, certamente passará o STF pela análise do risco que será criado com o precedente de permitir a intervenção do Judiciário em escolhas eminentemente políticas. A cada nomeação, serão possíveis inúmeros questionamentos. Não intervir, por sua vez, poderá ser interpretado como um cheque em branco para o Poder Executivo em suas nomeações, ou seja, vale tudo mesmo.