Juízes em praça pública

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A ideia de “opinião pública”, nos moldes que conhecemos, foi cunhada na segunda metade do século XVIII, a partir da sentença “öffentliche Meinung”, conforme a expressão “opinion publique”, representando algo que submetido a julgamento público ganha publicidade. Desta maneira, segundo os estudos de Jürgen Habermas, grosso modo, a “opinião pública” é fruto da “esfera pública”, instância onde os vínculos se formam e as intenções são postas ao debate, onde se produz pontos de vista acostados nas críticas e participação dos cidadãos. 

Aceitando que a “opinião pública” se forma na “esfera pública,” por sua vez, esta é construída sobre determinado “espaço público”, assim, se no século XVII esses locais eram os cafés, casas de chás e chocolates, lugar em que se debatiam as notícias dos jornais de época, contemporaneamente, podemos afirmar que os espaços virtuais das redes sociais possuem condições de possibilidades à formação de uma atual “esfera pública”, local que por suas potencialidades se converteu em nova Ágora, inspirada no modelo grego participativo, onde o público se organiza para debater os interesses e destinos da sociedade e formar sua opinião. Sem embargo, as redes sociais são lugares de acesso público que não se diferenciam daqueles fisicamente localizados.

Abrindo nova frente argumentativa. A partir dos desfechos revolucionários norte-americano e francês no final do século XVIII, um inédito paradigma validador do Poder Político passou a substituir a antiga tradição metafísica, aquela que reconhecia como herança divina a legitimação do Poder Político. Desde então, com o ocaso do absolutismo, esse Poder passou a ser exercido através de complexa engenharia política, onde foi preservada sua unidade e soberania, porém, tripartido no seu exercício através daquilo que se denomina sistema de “freios e contrapesos” – checks and balances.

Assim, o exercício do Poder Político se dá através de seus órgãos supremos – Legislativo, Executivo e Judiciário –, independentes nas suas funções e harmônicos nas suas relações, sendo que pelo sistema de “freios” nenhum dos órgãos permite que outro vá além de suas competências, enquanto pelo de “contrapesos”, cada qual, reciprocamente, fiscaliza e se opõe ao outro, em equilíbrio desse exercício.

Neste modelo, cabe ao Poder Judiciário, através de sua atividade jurisdicional prolatar decisões autônomas aos conflitos que lhe sejam submetidos, tudo conforme autorizado pela Constituição e na forma prescrita em leis. Para que essas decisões estejam livres de inquirições e máculas, são garantidos ao Poder Judiciário em geral, e em particular aos magistrados, autonomia e garantias funcionais, respectivamente, propiciando aos últimos, a impossibilidade de redução de vencimentos, a inamovibilidade do cargo ex officio e, que somente os possam perder por força de sentença judicial transitada em julgado.

Por outro lado, para que não se questione da imparcialidade de suas decisões, seus agentes são blindados, de dentro para fora, por limitações necessárias a garantir efetiva imparcialidade no momento de suas decisões, assegurando que paixões de ordem político-partidárias, interesses profissionais ou financeiros outros, se coloque como obstáculo à efetivação da justiça esperada – art. 95, parágrafo único, da Constituição Federal.

Com pontuais exceções de ordem constitucional, o ingresso na magistratura de regra se dá através de concurso público, onde se afere a qualidade técnica do pretendente, que empossado passa a ter a devida proteção ao seu mister; opção ao modelo é oferecer o acesso a carreira pela disputa de votos, o que implicaria por um lado na flexibilização das garantias funcionais e, por outro, na legitimação periódica de seus membros pela via do referendo popular, situação, que então sim, exigiria pública opinião dos concorrentes. 

Em cara contrapartida, embora como pessoa os magistrados possuam plenas condições cidadãs, liberdade de expressão e direitos participativos na sociedade, no entanto, por ser indissociável a pessoa do cargo, o juiz deve abster-se de pretender influenciar na formação da opinião pública, tomando partido de causas ou emitindo publicamente juízo de valor moral ou político à sociedade, papel destinado aos membros dos outros Poderes, Executivo e Legislativo, que têm compromisso em serem populares e agradáveis em suas manifestações.

Ainda que em recato juízes tenham opiniões, no entanto, em tempos de redes sociais, “espaço público”, onde se constrói a “esfera pública” e consequentes “opiniões públicas”, esse decoro não é mera faculdade subjetiva, deve ser regra, ao contrário do que se assiste, é dever funcional esperado por todos aqueles que ocupam tal posição no Poder, sob pena, agindo de modo contrário, de terem que se dar por suspeitos todas as vezes que chegasse em suas mesas processos sobre o tema que já se definiram e têm convicções a plenos pulmões em praças públicas, mesmo que virtual. 

Quem se dispõe a julgamentos sem processos, emitindo opiniões a torto e a direito, se vincula a suas palavras, se afasta do compromisso da imparcialidade e fragiliza a confiança emprestada ao Poder. Por exemplo, qual decisão se pode esperar de quem antecipada e publicamente se posiciona quanto identidade de gênero em suas postagens e depois tem que decidir sobre os efeitos da inclusão de um nome social, mais adiante num processo? A mesma inteligência vale para qualquer outro tema, seja relativo a segurança, artes, ensino, privatizações, cotas, réus de outros processos etc.

Particularmente, espero mais de um juiz que um perfil público recheado de subjetividades, razões ou fundamentos pessoais, entendo que juiz que pretende cumprir o querer republicano-constitucional, sobre certos assuntos deva se restringir a falar nos autos, deixando os espaços públicos para generalidades descompromissadas. A sociedade espera que a imparcialidade dos membros do Poder Judiciário não seja apenas formal, que seus silêncios e discrições afiancem esse compromisso.