Certa vez, alguém me perguntou porque o Evangelho não trata da felicidade? Eu comecei recitando: Felizes os pobres, porque deles é o Reino dos Céus; felizes os que choram, porque serão consolados; felizes mansos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os que promovem a paz, os que são perseguidos por causa da justiça, até os que acreditarem sem terem visto.
No parágrafo 1 da Magna Carta do Sermão da Montanha, Jesus deixa claro que serão felizes todos os que abandonarem o ter-mais para alcançarem o ser-mais. Terão se livrado do mais antigo inimigo da nossa espécie: o medo. “Não tenham medo!”: é a primeira palavra do Ressuscitado. Desde que nascemos não fazemos nada mais que suspirar por algo que não possuímos nem sabemos o que é, mas temos a certeza de que poderá satisfazer todas as nossas necessidades. O erro está em que pensar que podemos saciar os anseios mais profundos do ser atendendo às ofertas do ter. São as crises que apontam o erro dessas ofertas. Elas desfazem a urgência que damos aos nossos desejos e nos mandam olhar para outro lado.
O Evangelho de Lucas mostra algo exatamente assim. Nas imediações do povoado de Naim, Jesus se depara com um cortejo fúnebre. Seus olhos se fixam numa mulher dilacerada pela desgraça: ela é uma viúva, pobre, desamparada, que acaba de perder seu único filho. Cheio de compaixão pela cena, pela mulher, por tudo ao redor que desapontava qualquer pretensão de busca pela felicidade, Jesus para o cortejo e diz duas palavras à mulher, só duas: Não chore! Como pensar em felicidade num cenário desses? Durante séculos, filósofos, poetas, psicólogos e até biólogos têm procurado entender e medir a felicidade. Seria preciso medir todas as variáveis para poder entendê-la, e isso é impossível, porque elas se combinam num número exponencial. Então, o máximo que se conseguiu chegar perto de uma definição de felicidade foi que ela é uma sensação de bem-estar subjetivo.
Como podem ver, a definição ficou tão vaga quanto o definido. Ficamos na mesma! Felicidade: eterna busca! O grande problema aparece quando o desejo toma a metade da vida e a indiferença, a metade da morte. Já sabemos que a beleza é o que salva das duas. E que a transcendência é o que nos salva de nós mesmos. Estamos no caminho. Também sabemos que ele existe. A neblina é que atrapalha a visão. Como a mãe-viúva de Naim, às vezes, perdemos tanto que temos a sensação de ter perdido tudo. Não é verdade! Assim como nunca alcançamos tudo, também nunca perdemos tudo. A ordem que Jesus dá ao jovem morto – Levanta-te! – também serve para a mãe, para os acompanhantes e para toda Naim. Ela atravessa os séculos e alcança o terceiro milênio com a mesma força do primeiro momento.
Não há quem não precise levantar-se, não há quem não necessite de uma ressurreição. Ergamo-nos sobre nossas ruínas! Enquanto tudo puder ser reconstruído, tudo poderá voltar a ser.