Anunciada como a maior operação de combate à corrupção policial no Estado do Rio de Janeiro, a Operação Calabar teve início em 2016 pela Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo. A partir de uma colaboração premiada, diversas investigações foram realizadas, inclusive, com a interceptação de cerca de 200 mil ligações telefônicas nos últimos dois anos, o que resultou finalmente na deflagração dos trabalhos.
Consequência do apurado, em 29 de junho, quinta-feira passada, se desenvolveu a fase de prisões da operação, inicialmente com objetivo de cumprir 172 mandatos de prisão, dos quais 96 em desfavor de policiais militares, alguns lotados no 7º Batalhão, em São Gonçalo, além de outros militares que já atuaram naquela unidade policial.
No primeiro dia de execução, além de 22 acusados de tráfico, também 66 PMs foram presos por envolvimento com o delito de drogas e crimes conexos. Nos dias que seguiram mais policiais com ordem de captura se entregaram às autoridades responsáveis pelas investigações, enquanto outros permanecem foragidos.
À imprensa foi informado, que os traficantes pagavam até R$ 1 milhão por mês aos policiais como propina, valor que totaliza o que era distribuídos entre os envolvidos, além de outras acusações não menos graves, dando conta de sequestros de traficantes e consequentes pagamentos de resgates pelo crime organizado; venda de armas apreendidas em operações, consideradas “espólio de guerra”; determinação de assaltos aos traficantes para complementar o “arrego”; prisões de usuários como traficantes, somente para alcançar metas do batalhão; e ajustes com traficantes para mortes de outros policiais desafetos.
Desnecessário discorrer mais sobre o episódio, até porque as notícias do dia e subsequentes a operação já serviram à compreensão do enredo, sendo qualquer mais, repetição de informações. No entanto, mesmo com expressiva cobertura, o ponto crucial do tema passou ao largo de quase a totalidade das matérias que cobriram a operação, quando se restringiram a reportar os acontecimentos sem o imprescindível viés crítico que o evento exige, a política proibicionista das drogas.
Já em 2010, a Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes – JIFE, ou International Narcotics Control Board – INCB, órgão de fiscalização independente para implementação das Convenções Internacionais das Nações Unidas de controle de drogas alertava que: “as zonas de narcotráfico intenso costumam apresentar elevados índices de violência e corrupção”, nada surpreendente face a realidade dos grandes centros brasileiros, que ressentida a partir de uma política belicista no trato das drogas, padece das duas características do fenômeno no país.
Em recorte exemplificativo da violência, no Rio de Janeiro, entre 2010 e 2015, a atividade policial foi responsável por um em cada dez homicídios, entretanto, sem que se saiba efetivamente dos seus envolvimentos criminosos, considerando que 99% dos casos foram arquivados, – CPI dos Autos de Resistência, ALERJ –, por outro lado, em 2016, 147 PMs foram assassinados, a maioria fora do serviço. Em evidência que a situação de risco policial perdura e aumenta, até os primeiros dias de julho deste ano já ocorreram 83 homicídios de policiais militares no Rio de Janeiro.
Na outra face do argumento, sobre a corrupção, conforme relatório da JIFE, “os países em desenvolvimento e países emergentes de conflitos são especialmente vulneráveis à corrupção relacionada com a droga”. Acrescenta o órgão ao argumento que, “um fato que não pode ser esquecido é que a intimidação e a corrupção de agentes públicos facilitam a exploração desses mercados ilegais por organizações criminosas”.
Finaliza o estudo: “o uso de violência e intimidação sistemática, a corrupção e a extorsão de funcionários públicos, os grupos criminosos ricos e poderosos têm sido capazes de enfraquecer os sistemas policiais e judiciais.”
Conforme dados apurados em 2014, “a cada ano, 1 trilhão de dólares são gastos em subornos e cerca de 2,6 trilhões de dólares são desviados pela corrupção. Esta soma equivale a mais de 5 por cento do PIB mundial. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD –, a quantia de fundos desviados pela corrupção nos países em desenvolvimento é 10 vezes superior ao destinado à assistência oficial para o desenvolvimento.” – Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime – UNODC.
Desta forma, a Operação Calabar embora cause indignação, no entanto, não apresenta novidade ou motivo de espanto, ao contrário, integra e corrobora o elenco de “coisas que todos sabem”, mas poucos têm a ousadia de dizer, seja pelo medo de retaliações ou receio de serem responsabilizados por ausência de provas incontestes.
Resultado de um debate bastante atrasado, o da descriminalização das drogas, o tráfico fez outra vítima com a Calabar, desta feita toda a segurança pública do Estado, envergonhada e tendo que se justificar pelo grande número de policiais envolvidos em todo esquema, fato que se agrava por não haver razões de se duvidar que os mesmos desvios possam acontecer em outras unidades policiais, considerando que os mesmos fatores e condições não são itens isolados, afetos a um só batalhão.
A mantença da política de ilegalidade das drogas, questão de saúde pública erradamente tratada pelo viés da segurança, desestabiliza a economia, desacredita as instituições, corrompe pessoas e mata, não discriminando culpados ou inocentes e muitas vezes os próprios agentes do estado, inclusive, aqueles que se locupletam com dinheiro criminoso, ou no dizer do representante do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime –UNODC, Rafael Franzini: "A corrupção ataca todos, até mesmo os corruptos", que morrem pelas mãos do próprio inimigo que os alimenta.