Perda irreparável para o Brasil

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O Ministério Público Federal (MPF) afirmou nesta segunda-feira (3), por meio de uma nota pública, que a perda do acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro, em incêndio ocorrido na noite de domingo, é “irreparável”, não podendo ser recuperada por nenhum esforço de reconstrução A perda é irreparável e a falta de estabelecimento de prioridades das políticas públicas na área cultural afetam não somente o Brasil mas toda a humanidade. A reconstrução do seu prédio apenas preservará o referencial arquitetônico daquele monumento, mas jamais os tesouros que compunham seu acervo”, diz o texto.

Na mesma nota, o MPF afirma que pediu a abertura de inquérito policial para apurar as causas e as responsabilidades do incêndio. O procedimento já está sendo conduzido pela Polícia Federal (PF). 

Rescaldo em mutirão – Um grupo de aproximadamente 15 funcionários do Museu Nacional entrou no prédio, às 15h de ontem, em busca de objetos e peças do acervo que possam ter escapado às chamas. Eles entraram pela porta principal, acompanhados por soldados do Corpo de Bombeiros.

Os funcionários removeram cuidadosamente restos de escombros, como pedaços de madeiras, telhas e mesmo vigas metálicas, na esperança de encontrar algum objeto de valor histórico. Normalmente, o trabalho de rescaldo é feito apenas pelos bombeiros, mas como se tratam de peças antigas, é necessário acompanhamento dos especialistas, para distinguir um simples resto de escombro de um artigo valioso. 

Munidos com martelos, pás e enxadas e usando apenas capacete, sem luvas, os funcionários traziam para fora as peças que encontram, colocando as menores dentro de caixas plásticas. Algumas rochas da Coleção Werner, que ficavam próximas à saída, foram retiradas, inclusive rochas pesadas. 

Uma das primeiras peças retiradas foi um grande quadro, ainda emoldurado, carregado por quatro funcionários. O trabalho é lento e minucioso, pois muitas peças ainda podem estar em condições de recuperação, abaixo de toneladas de madeiras queimadas e telhas de barro. Os três andares do museu desabaram um por cima do outro até o chão. Apenas bombeiros e funcionários do museu podem ingressar dentro do prédio. 

Crânio de Luzia – Os jornalistas e demais pessoas ficam a cerca de 20 metros de distância, por questão de segurança. Entre as peças mais raras, estão as múmias egípcias, compradas pelo Brasil por Dom Pedro I, e o crânio de Luzia, o mais antigo fóssil humano encontrado no país, com cerca de 12 mil anos. 

Pesquisadores do Museu Nacional nutrem a esperança de que parte do acervo, justamente peças mais raras e valiosas, possa ter sido salva do fogo dentro de cofres e armários de aço especiais. Eles reconhecem que o trabalho não será fácil, pois o interior do prédio ainda está muito quente e os dois andares superiores desabaram sobre o térreo, formando uma grossa camada de cinzas, carvão, ferros retorcidos e tijolos. 

R$ 15 milhões – A vice-diretora do museu, Cristiana Serejo, estima que serão necessários, pelo menos, R$ 15 milhões para iniciar a restauração do prédio. O presidente Michel Temer anunciou ontem a criação de uma rede de apoio econômico para viabilizar a reconstrução do museu.

Formado inicialmente pela Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), Bradesco, Itaú, Santander, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, Vale e Petrobras, o grupo deve se empenhar nesse objetivo “no tempo mais breve possível”, segundo nota divulgada ontem pelo Palácio do Planalto. 

Heróis – O material que o biólogo Paulo Buckup pesquisava há 22 anos no Museu Nacional estava resguardado em um prédio separado do palácio destruído pelas chamas. Mesmo assim, o professor somou esforços aos mais de 30 servidores e voluntários que entraram no museu durante o incêndio para salvar alguma parte do acervo. Foram várias “viagens” para retirar o máximo possível, sob um teto que podia desabar a qualquer momento conforme o fogo avançava nos andares superiores.

“Eu pensei que eu podia morrer, mas [o museu] era a minha vida e a vida dos meus colegas. Aqui ‘morreram as vidas’ de muitos colegas. Vi funcionários aposentados que vieram aqui transtornados porque não só a vida de nossos ancestrais em pesquisa foi perdida, mas a vida inteira deles foi perdida. Muitos cientistas e técnicos entraram no Museu Nacional quando eram jovens e ficaram a vida inteira”, lamentou. Paulo conta que decidiu entrar no museu quando viu que faltava água para o trabalho dos bombeiros no controle das chamas, que avançavam rapidamente. Outras pessoas tomaram a mesma decisão e conseguiram resgatar parte do material que não poderia ser recuperado.

“São grandes heróis. Tínhamos gente aqui desde a reitoria da UFR] até funcionários aposentados que assumiram grandes riscos”, conta Buckup, que também viu voluntários e parentes de servidores. “Não faltaram braços para carregar o material para longe do fogo, o que faltou foi condição de entrar mais para dentro do prédio”. 

Interdição – A Defesa Civil do município do Rio vai manter interditado o prédio, após vistoria feita na manhã de ontem que verificou grande risco de desabamento interno, que pode ocorrer com a queda de trechos remanescentes da laje, parte do telhado que caiu e paredes divisórias do local. Na área externa, contudo, devido à espessura das fachadas, não há risco iminente, de acordo com os técnicos. Entretanto, foram constatados problemas pontuais, como queda de revestimento, adornos e materiais decorativos (estátuas) fazendo com que a área de projeção das fachadas também permaneça isolada.

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