Após diversos assaltos em uma área de treino de autoescolas, no bairro do Boa Vista, próximo ao Piscinão de São Gonçalo, instrutores do município se juntaram em uma campanha pelo fim da obrigatoriedade do Detran por quatro aulas práticas noturnas aos alunos. A alternativa do departamento para evitar os ensinamentos durante à noite seria substituir três, das quatro aulas obrigatórias, por treinos no simulador, o que aumentariam os custos para a autoescola, segundo os professores. Para tentar mudar a situação, um abaixo-assinado foi criado para ser entregue ao Ministério Público e instrutores também já começaram a procurar novos locais de ensino.
Professores e alunos reclamam que são constantemente assaltados na área, principalmente à noite, após o abandono do Estado ao Piscinão, quando o local passou a ser deserto. Na última semana, uma fila com cerca de 10 veículos virou alvo de um arrastão. Cansados da violência que se instalou em todo o município, os cerca de 200 instrutores que usam o espaço diariamente começaram a se mobilizar contra os assaltos que aumentaram há cerca de três meses. Um dos organizadores do movimento, Eduardo Reis, aponta que, por medo, a população corre para chegar em casa antes do anoitecer, porém, por obrigatoriedade, este é o horário das aulas.
“Como somos obrigados a dar aula no turno da noite, pensamos que ficar todos juntos no Piscinão nos daria maior segurança, entretanto, os criminosos estão usando isso para aumentar o número de vítimas. Decidimos, então, evitar a área e chamar a atenção para o nosso problema, por isso, combinamos de dar aulas pelo Centro e por Alcântara, onde entendemos que são lugares mais seguros, mas isso interfere no trânsito da cidade”, comenta.
O abaixo-assinado, criado na semana passada e que já conta mais de 1.700 confirmações, tem o objetivo de tornar as aulas noturnas facultativas, assim, quando o número de assinaturas for expressivo, a intenção é levar a discussão à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) e possivelmente à Brasília. Entretanto, junto à obrigatoriedade de utilização de simuladores de direção veicular nos centros de formação de condutores, a resolução nº 543/2015 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) também aponta que as aulas realizadas no período noturno poderão ser substituídas, opcionalmente, por aulas ministradas no simulador desde que, pelo menos, uma aula prática noturna seja na via pública.
Para os instrutores, no entanto, a questão não soluciona o problema levantado. Isso porque, segundo os profissionais, o valor pago pela autoescola por cada aula/hora no simulador é o dobro do pago para os professores. Dessa maneira, além das cinco aulas obrigatórias, de uma hora cada, - sendo pelo menos uma delas no período noturno -, no aparelho eletrônico, empregadores deveriam desembolsar mais três aulas do simulador, o que aumentaria o custo das aulas. O resultado da equação é um aumento na mensalidade para os alunos ou manter os profissionais trabalhando ainda nos horários noturnos nas ruas. Segundo o grupo manifestante, o valor recebido por instrutores desde 2014 é de R$ 9,60 por hora/aula de 50 minutos cada. Já a do simulador, varia de acordo com o convênio entre a autoescola e a empresa que oferece o serviço, mas o preço pago é acima de R$ 20 por hora/aula.
Além dos instrutores que já sofrem com a questão, os alunos também têm sido prejudicados com a rotina de assaltos e medos. Junto à uma faixa pendurada no local de treino com os dizeres “Não servirei de alvo”, a estudante Rebecca Carvalho, de 23 anos, realizava sua última aula prática já aliviada.
“Inicialmente contratei as aulas apenas para o turno da noite por ser meu horário livre. Porém, quando soube dos assaltos, mudei minha faculdade para sábado, tendo que aprender a dirigir de manhã e trabalhar à tarde. Durante as aulas obrigatórias, me senti muito insegura. É um lugar ermo e sem iluminação, perigoso”, ressalta.
Um dos instrutores que passou pelo arrastão, foi Alexandre Rodrigues, de 42 anos, que está na profissão há 15. Na área de treino citada, próximo ao Piscinão, ele trabalha há 10 anos e nunca havia passado pela experiência.
“Fui o primeiro a ser assaltado neste dia. O assaltante estava com a arma na cabeça do meu aluno, pedindo o celular dele, que ficou desesperado. Para ele não ser mais ameaçado, acabei entregando o meu. Ficamos muito expostos aqui. Agora, diminui muito o movimento de carros treinando de noite”, disse.
Na última quarta-feira (18), durante uma audiência sobre Segurança Pública na Câmara dos Vereadores de São Gonçalo, com a presença de vereadores e do comandante do 7° Batalhão de Polícia Militar (São Gonçalo), o tenente-coronel Marco Lima, Eduardo Reis, um dos organizadores do movimento compareceu ao local e foi ouvido pelas autoridades, mas não recebeu posicionamento sobre o assunto. Segundo o representante do grupo, apesar de muitos assaltos já sofridos pelos instrutores, poucos foram fazer o registro.
Em contrapartida, o vice-presidente da Comissão de Segurança Pública do município, o vereador Alexandre Gomes (PSB), disse ter protocolado um ofício ao comandante para que o policiamento aumentasse na região. Segundo ele, o parecer foi favorável.
“Recebemos muitas reclamações na Comissão sobre o assunto. O comandante ficou de dar uma resposta na segunda-feira (23). Mesmo que não seja uma viatura fixa, mas que aumente o patrulhamento na região, é uma ação urgente”, afirma.
O Detran ressaltou que a substituição das aulas noturnas pelo uso do simulador é opcional e que, sendo assim, fica a critério do aluno optar ou não pela substituição. Sobre o custo das aulas de simulador, o valor é regulado pelo mercado, ou seja, as autoescolas têm autonomia para definir os valores a serem cobrados sem interferência dos Detrans em todo o país. As aulas noturnas e os simuladores são regulamentados por resoluções do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), cabendo ao Detran apenas verificar o seu cumprimento.
O Denatran, por sua vez, alega que a exigência de realização de aulas no período noturno está no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que exige que parte da aprendizagem seja obrigatoriamente realizada durante à noite, cabendo ao Conselho Nacional de Trânsito (Contran) fixar a carga horário mínima correspondente. Por se tratar de uma obrigação imposta pela lei, não há a possibilidade do Contran de extingui-la ou substituir 100% das aulas noturnas por aulas em simulador, reforça o Denatran.
Procurado, o comandante do 7º BPM (São Gonçalo) não respondeu aos questionamentos até o fechamento da edição. Por meio da assessoria de imprensa, a Polícia Militar informou que agentes do batalhão do município realizam policiamento 24 horas na área sob sua responsabilidade com rondas em viaturas, ações de abordagem e revista, além de outras operações planejadas. A nota também ressalta que é importante que denúncias sejam feitas nas delegacias, pois ajudam na confecção da mancha criminal da região. O telefone do batalhão (2701-2359) e do Disque-Denúncia (2253-1177) também foram divulgados.