De volta para o futuro

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Desde a Páscoa venho analisando como um acontecimento isolado num ponto perdido do mundo alcançou o coração da Roma pagã, e daí se espalhou. Falo da Ressurreição de Jesus, um operário da construção civil, que viveu em Nazaré, um lugar que sequer o historiador antigo mais obsessivo menciona, e morreu em condições degradantes até para os critérios da época. 

Para aqueles que creem, a resposta aflora na ponta da língua: tudo isso aconteceu porque Jesus era o Filho de Deus. Mas esse espaço não é frequentado somente por aqueles que acreditam; e eu tenho a honra de ser lido também por aqueles que não compartilham da mesma fé que me anima. Essa honra significa a responsabilidade de respeitá-los na sua singularidade. Toda singularidade é um cheque ao portador, cujo valor compete ao portador assumir.

Daí que preciso responder a todos, indistintamente, sobre a pertinência da questão levantada. Afinal, como foi que a notícia da Ressurreição alcançou um mundo inalcançável?

Acontece que aquela jovem seita, em que os seguidores se denominavam cristãos, havia invadido o Império Romano. E ela só conseguiu essa façanha por semear um novo jeito de enxergar as coisas.

Esse novo jeito pode ser enunciado de várias formas, mas basicamente o que os movia era isso: o Deus em que acreditavam se interessava por todos e cada um deles, pessoalmente, assim como cada um era. Esse modus operandi já não significa novidade nos dias de hoje. Mas quando brotou era absolutamente absurdo. Como assim? Então, Deus ama os pobres, os enjeitados, os discriminados, os escravos? Sim, ama. Simples, assim. 

E foram os escravos que trouxeram o anúncio insensato dessa novidade. Foi entre eles que se havia alastrado, feito fogo em capinzal, a irreprimível mensagem do pregador da Judeia.

A questão não era acadêmica, era vital. 

Afinal, se um homem, com sua própria morte, havia vencido os poderes do mal e triunfado sobre a brutalidade humana, então, o caminho estava aberto aos outros homens. E se aquele homem havia voltado à vida, então, a miserável existência humana - ainda mais miserável entre os escravos - adquiria um sentido novo capaz de revolucionar todas as relações. 

Essa mensagem, que adentrou à casa dos patrícios pela voz reprimida dos escravos e foi escutada pelos ouvidos reprimidos das mulheres, foi ensinada aos filhos, aos netos, e assim por diante. A arrogância dos impérios estava com os dias contados. Uma nova mentalidade nascia de forma irresistível. Tanto, que precisava ser reprimida.

Daí as perseguições aos cristãos. Nem o Império Romano contava com aquilo. Pensando bem, ninguém ainda conta. Se até hoje as páginas dos jornais pingam sangue, é porque o mundo ainda não compreendeu a mensagem que os escravos introduziram, com força transformadora, pela porta-da-cozinha das casas de seus senhores romanos. 

Resta saber qual era a mensagem.

Estamos de volta para o futuro. E ainda não percebemos.