Neurologicamente modernos

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 Fruto do final do século XIX, a partir da combinação com outros traços dessa Era, notadamente, a industrialização, urbanização, velocidade dos transportes, crescimento populacional, cultura de massa e da saturação do modelo capitalista, surgiu o que Ben Singer chamou de “Modernidade Neurológica”.

Neste contexto, a “Modernidade Neurológica” retrata uma sociedade fundamentalmente exuberante nos estímulos nervosos, que só reage ao excessivo e sensacional, ao extravagante e descomunal, que deixa de responder a estímulos de inferiores impactos e se sensibilizar com o cotidiano.

A questão, portanto, diante desta atitude “blasé” é como romper a letargia, a pasmaceira, como fazer que nervos e comportamentos hiperestimulados por tantas e excessivas informações e emoções revigorem-se e esbocem reações diante do brando e corriqueiro, como fazer uma pessoa sentir e perceber o simples, o óbvio, quando as sensações estão narcotizadas pela intensidade?

Singer constata, conforme o receituário que vem sendo aplicado, que as “sensações têm que ser cada vez mais fortes para penetrar os sentidos atenuados para formar uma impressão e redespertar uma percepção”.

Pois este é o problema, o que aparentemente nos desperta é o aumento da dose do que nos entorpece, ou seja, o que não mata num primeiro instante nos torna com o tempo resistentes a cura, insensíveis a estímulos de menor comoção.

Incontáveis, os exemplos são cada vez mais visíveis: no esporte, o box perdeu a aura e glamour de “nobre arte” para o UFC, “Definitivo Campeonato de Lutas”, todavia, o que virá depois do “último”? Não me espantará um Coliseu com polegares voltados para baixo.

Na política, os discursos racionais de longo prazo dão lugar às políticas imediatistas de rápidos e suspeitos resultados, desta forma, quem duvida dos próximos passos: prisão perpétua, pena capital, castigos físicos, qual o limite?

Nas religiões, o fundamentalismo se espalha com veemência, a moral de alguns “profetas” é reescrita todos os dias, sempre em cores mais fortes e limitações acentuadas, assim como a intolerância é a marca do fiel vitorioso. O que será proibido amanhã, quem acumulará toda “verdade” divina?

Não é diferente com a imprensa tecnologicamente virtualizada, que desde o mesmo século XIX oferece registros ilustrados desse ambiente urbano “caótico”, com mensagens alarmistas diatópicas, registrando as “anormalidades” das metrópoles “violentas e frenéticas de choques sensoriais”, e que recorre a comparações com um suposto tempo passado, mentirosamente perfeito, anunciando como estamos ficando cada vez piores.

E o que dizer dos programas televisivos policiais, circos de horrores diários, que repetem incansavelmente as mesmas imagens a cada passagem do trem fantasma, repletas de narrativas raivosas dos agoureiros do apocalipse, apelantes do hiperestímulo do medo, do risco, do suspense e do sensacional.

Fiquem à vontade para incluir outras experiências...

Assim, não há que se estranhar a procura incansavelmente do elixir da felicidade, da droga da euforia, dos corpos mais que perfeitos, dos amores eternos semanais ou de tudo que ultrapasse pelo menos a primeira camada da pele. Nada deve ser pouco e o pouco não nos interessa, até porque somos todos neurologicamente modernos, vivemos do impacto fulminante, da intensidade no corriqueiro, do esbanjamento de palavras, no final das contas, somos todos sensacionalistas.