O Canto do Galo

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Como foi que os discípulos enfrentaram a hora da verdade? Como Pedro reagiu?

“Se és tu, Senhor, manda-me ir contigo sobre as águas! (Mateus 14,28).

Parecia claro que Pedro desejava participar do poder que atribuíra a seu Mestre. Quando ele grita diante da ameaça das águas, seu grito apenas revela quão pouco se conhecia. “Ainda que todos te abandonem, eu nunca te abandonarei” (Mateus 26,33). Como pode alguém ser tão estrangeiro a si!

Mas Pedro não era um caso perdido. “Simão, Simão, Satanás reclamou para te peneirar. Mas eu rezei por ti, para que tua fé não desfaleça...” (Lucas 22,31). Ele só precisava se encontrar.

Os momentos finais foram vividos no desencanto das existências malogradas. Pedro havia deixado tudo, não havia? Para que, afinal, deixou tudo? Não foi para ganhar tudo? Não faríamos a mesma coisa? Não somos assim, também?

Os discípulos esperavam que Jesus fosse O Filho do Deus de Israel - o vencedor. Não foi à-toa que Pedro dormiu no Horto! Como suportar que aquele, em quem ele havia depositado todas as fichas, manifestasse uma fragilidade despercebida? Não estaria também Jesus, ali, no Horto, afundando nas águas do desespero? De repente, para Pedro, ele e seu Mestre eram só iguais: só participavam da mesma irrisória condição humana!

Era demais! Pedro não suportou. Dormiu. Todos dormiríamos.

Quando Judas consuma o ato, Pedro se lança à última desesperada tentativa de morrer como herói: rouba uma espada e decepa a orelha de um subalterno. A despeito do significado teológico do gesto – e olhando apenas como espectador comum – não há como não perguntar: Então, é só isso, mesmo, Pedro? É cortando orelhas que você pretende fazer História? Que patético!

“Todos os discípulos abandonaram Jesus e fugiram” (Mateus 26,56).

Quem, nas mesmas situações, agiria diferente? Não é!

Pedro está confuso quanto à sua identidade: não sabe mais quem é, não sabe mais quem é aquele Jesus abandonado por todos. Mesmo assim, ele “foi seguindo Jesus à distância até o pátio do sumo-sacerdote, entrou e sentou-se com os criados para ver no que acabaria aquilo” (Mateus 26,58).

Só havia se esquecido do fundamental: “Já não os chamo servos, mas amigos” (João 15,15).

Para quem, horas antes, fora considerado “Amigo” por seu Mestre, sentar-se ali, no campo do inimigo, era, pelo menos, um fracasso. O pior estava por vir, quando, entre criados e para eles, Pedro nega sua identidade e cospe na sua fidelidade.

Nessa hora, o galo canta.

O canto do galo é um sinal. De onde veio aquele canto tenebroso, repleto de ironia e de escárnio? Um canto-desencanto! Foi como se o canto da ave gritasse no interior de Pedro. No fim, sou tão real quanto as suas promessas!

Judas trai, Pedro nega. A diferença entre os dois é que algo, em Pedro, é maior que ele.

Pedro é mesmo um personagem e tanto!

Não acham?