O maior agradecimento

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Aos 25 anos, a filósofa Simone Weil decidiu que para conhecer a condição humana e para comungar verdadeiramente a vida dos desventurados, não poderia ficar apenas ensinando filosofia. Ela teria de compartilhar concretamente a labuta do operariado. Há coisas que só sabe quem fez. Nenhuma técnica de natação dispensa entrar na piscina.

Então, durante 8 meses, entre 1934 e 1935, ela trabalhou como operária em fábricas.

Foi uma experiência radical. Uma grande fragilidade física e o esforço manual foram fatores que tornaram previsivelmente dramáticos os seus dias. Mas o seu sofrimento maior era o espiritual.

Ela escreveu: “Que para cada pessoa, o seu trabalho seja um tema de contemplação”. Mas era isso mesmo que ela sentia que lhe era vedado na fábrica. O dever número 1 das fábricas, a razão pela qual todos eram recompensados ou punidos, era a velocidade de produção – monótona, maquinal e desumanizada.

Vejam o que ela escreveu no diário: “O abatimento acaba por me fazer esquecer as verdadeiras razões da minha estadia na fábrica. Isso se mostra quase invencível. É só aos sábados à tarde e aos domingos que me voltam ao pensamento recordações e fragmentos de ideias. É só então que me lembro que sou também um ser pensante”.

Se a única coisa que conta é que o homem funcione mecanicamente, como peça de engrenagem, isso só pode acarretar, cedo ou tarde, a destruição do próprio homem. Não há contemplação sem percepção. O agradecimento brota das duas.

É interessante ler, na Bíblia, que Deus inicia sua “carreira de Deus” trabalhando dia-após-dia. E por várias vezes o autor do texto sagrado salienta que Deus toma distância da sua obra, para e percebe o que fez, contempla e fica satisfeito com tudo. “E Deus viu que tudo era muito bom!” (Genesis 1). Deus cria, Deus contempla.

“Que para cada pessoa, o seu trabalho seja um tema de contemplação”

É mais interessante notar como Deus cria percebendo e separando as coisas. Separa águas, divide as diversas luzes, cria individualidades e existências distintas. Cria e respeita as diversidades.

É daí que nasce o enamoramento de Deus pela beleza da Criação. Por detrás de tudo o que faz, nós encontramos um olhar enamorado de Deus, um olhar extasiado sem instrumentalizações, sem outra finalidade que não seja mostrar que a plenitude existe e que o amor é seu fio-de-ouro. Um dos exercícios diários das técnicas modernas para obtenção de foco é, justamente, sair para fora e contemplar o céu, várias vezes durante o dia.

Quando prestamos atenção ao que está aí, de graça, percebemos panoramas incríveis: maravilhosas combinações de luz e de cor, um arco-íris depois da chuva, nuvens gigantescas acasteladas. Sempre que paro para contemplar essas coisas, sinto algo parecido ao que Deus sentiu naquele primeiro dia. E esse é, sem dúvida, meu maior agradecimento.

O maior agradecimento é perceber: perceber para contemplar e agradecer.