Quase não há mais palavras a dizer sobre a tragédia de Brumadinho, nas Minas Gerais. Mas são as minhas Minas Gerais. E embora todas as palavras já tenham sido ditas, quero também dizer as minhas.
Cada vez que fecho os olhos, revejo a cena de horror e imagino as pessoas soterradas sob a lama pegajosa, eu me pergunto: e se fosse eu? Cada vez que me vem ao pensamento como devem ter sido angustiantes os últimos 2 ou 3 minutos que restaram de vida a cada uma delas, eu me pergunto: e se fosse eu? Cada vez que me invade a ideia de que entre elas poderia haver alguém de cuja vida, próxima a minha, eu teria de me despedir, no mesmo choro de desespero presenciado ao vivo pela mídia, eu me pergunto: e se fosse eu?
Cada vez que me sinto assim, me escapa o suspiro de como tudo é desoladamente frágil e insustentável. “A setenta anos vai a duração de nossa vida. Fato notável quando chega a oitenta! A maior parte deles, porém, sofrimento e vaidade. Acabam depressa, nós passamos” (Salmo 90,10).
Não fica longe do nosso o desalento do salmista, frente à irrefreável passagem do rio da vida. Porém, as águas desse rio se turvaram sob o peso de lama tóxica! Custa-me pensar que sequer o salmista passou pela impotência amarga dos últimos dias. Se ele tivesse vivenciado a mesma experiência, não sei se ainda envergaria a cítara para nela decifrar seus enigmas existenciais.
Nós, porém, temos mais que o salmista.
Nós temos a esperança dos ressuscitados; ela não nos deixa dormir para esquecer. Queremos ficar acordados. O que não for esquecido, tem menos chance de retornar e voltar a acontecer.
Quase não há mais palavras a dizer, mas também quis dizer as minhas. E elas nada acrescentaram, a não ser a teimosia de continuar humano, feito de barro, talvez, de lama e, ainda assim, amado por Deus.
Por Dom José Francisco: Quase não há mais palavras a dizer
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