Um novo caminho

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No domingo passado, o Papa Francisco encerrou o Ano Santo da Misericórdia. Ele tem insistido muito numa religião que abraça a prática, presente no meio do mundo como um presente de Deus. Teresa era assim também. Ela praticava a misericórdia com suas irmãs de convento. Lá morava uma irmã de personalidade extremamente irritante. Ninguém a queria por perto, a não ser ... claro ... Teresa! Que fazia de tudo para se manter próxima daquela irmã e ser um canal de amor para ela.

Teresa dizia que as almas mais feridas, as mais difíceis de convivência, são também as que mais precisam de amor. Esse é o mesmo discurso do Papa Francisco, que ensina que a misericórdia de Deus é uma graça, mas também um chamado e um mandamento.

Que lugar mais privilegiado para viver esse chamado do que na família? Viver sob o mesmo teto, fisicamente próximo, é uma benção, uma graça, e sem dúvida um desafio. Podemos nos apoiar e nos amar. Mas podemos nos ferir. Não há outro jeito de viver em família, a não ser abrindo um novo caminho.

Que caminho é esse? Perguntemos aos evangelistas. 

Mateus dirá que tudo se resume em ser perfeito como o Pai do Céu é perfeito (Mateus 5,48). Para Lucas, o caminho é o de ser misericordioso como o Pai é misericordioso (Lucas 6,36). Mas veja, meu amigo: eles não estão propondo nada além da imaginação! Para os evangelistas, esse não é o ponto de chegada: é o ponto de partida. Essa é a picada na mata escura da existência humana. Sem isso, o que sobra é o desencanto, não poucas vezes transformado em desespero. 

Outro indicador de caminhos foi São Bento (480 e 547). Ele deixou para seus monges e o mundo uma regra que se mostrou um aparato civilizador sem igual. Nessa regra há um capítulo chamado “Quais são os instrumentos das boas obras”: uma espécie de caixa de ferramentas do monge. Esse capítulo possui 77 pontos e começa pelo básico: amar a Deus e ao próximo, não matar, não roubar, etc.

O ponto de número 74 instrui o monge a nunca se desesperar da misericórdia de Deus. Essa pode ser a ferramenta mais útil da caixa: quando todas as outras falharem, essa será a ferramenta da salvação. Se tudo for tentado e não der certo, e você ficar face a face com a sua miséria, com o seu fracasso e o seu pecado, não se desespere. Confie. A confiança derrete Deus, como um pai se derrete diante do filho.

Muitos séculos separam Bento e Teresa. Mas a mensagem é a mesma: a misericórdia é o novo caminho para uma velha humanidade cansada de si. 

Já experimentamos tantos caminhos e fomos atrás de tantas novidades, que não custa retroceder o olhar para onde o futuro estacionou enquanto o tempo passava. O futuro ficou num momento de confluência entre o tempo e a eternidade, quando a misericórdia se cruzou com a justiça e ambas se olharam, se reconheceram e se reverenciaram. Naquele dia, a justiça se curvou à misericórdia, sabendo que cabia a si mesma conduzir os homens, mas só à misericórdia caberia transformá-los.